Início » Quem está pesquisando o trabalho de entregadores no Brasil Referências Quem está pesquisando o trabalho de entregadores no Brasil O trabalho de entregadores está em crescente visibilidade midiática e você pode se perguntar: quem está realizando pesquisas empíricas com entregadores das plataformas digitais? Já indicamos pesquisas internacionais, como as de Callum Cant na Inglaterra e de Kruskaya Hidalgo sobre as entregadoras no Equador. No Brasil, há pelo menos duas redes de pesquisa investigando o tema. A Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista (REMIR), no âmbito do grupo Trabalho Digital, publicou relatório e artigo sobre os entregadores por aplicativo durante a Covid-19 no mês de abril. Com 252 respondentes, principalmente de São Paulo, Belo Horizonte, Recife e Curitiba, a investigação mostrou como eles tem trabalhado mais e ganhado menos durante a pandemia, sentindo medo de serem contaminados. Os autores da pesquisa foram Ana Claudia Moreira Cardoso (UFJF), Henrique Amorim (Unifesp), Ludmila Costhek Abílio (Unicamp), Paula Freitas Almeida (Unicamp), Renan Kalil (MPT), Sidnei Machado (UFPR) e Vanessa Patriota (UFPE). Outra rede é o Fairwork, pesquisa-ação realizada em nove países coordenada pela Universidade de Oxford. Ela tem o objetivo de pressionar as plataformas digitais por melhores condições de trabalho a partir de princípios de trabalho decente considerando as seguintes dimensões: remuneração, condições de trabalho (inclusive saúde), contratos, gestão e representação. Por ser uma pesquisa-ação, há um diálogo permanente das universidades com as diferentes instituições interessadas desde o desenho dos instrumentos de pesquisa. A investigação tem evidenciado que as principais plataformas globais estão longe de cumprir o mínimo da agenda do trabalho decente. No Brasil, o projeto iniciou recentemente sob a coordenação de Rafael Grohmann (Unisinos), com equipe composta por pesquisadores como Rodrigo Carelli (UFRJ), Daniel Abs (UFRGS), Julice Salvagni (UFRGS), entre outros investigadores dos grupos Trab21, DigiLabour e Contextos Digitais e Desenvolvimento Humano. Além das redes, há uma série de pesquisadores brasileiros que têm se debruçado sobre o trabalho dos entregadores das plataformas digitais. Confira alguns: Leticia Masson e Cirlene Christo: fazem parte da pesquisa “Saúde e direitos dos trabalhadores em tempos de plataformas digitais: um olhar sobre a atividade”, que envolve pesquisadores de FIOCRUZ, UFRJ e UFF. O foco tem sido compreender a organização e o gerenciamento do trabalho de entregadores pelas principais plataformas no Rio de Janeiro e os potenciais riscos à saúde dos trabalhadores. Alguns dos riscos apontados pelos entregadores nesta pesquisa, cujos resultados ainda não foram publicados, são: acidentes de trânsito, violência urbana, fadiga por esforço físico, cognitivo e afetivo – no sentido de tentar se manter no aplicativo. Também apontam a permanente insegurança em relação à fonte de sustentação econômica. Atualmente as pesquisadoras também tem se voltado a analisar a organização coletiva dos trabalhadores. Seus referenciais teóricos passam por ergonomia da atividade, clínica da atividade e psicodinâmica do trabalho Vitor Filgueiras: professor de Economia da UFBA, ele e seu grupo de pesquisa – no âmbito do projeto Caminhos do Trabalho (em parceria com MPT) entrevistaram 26 trabalhadores e trabalhadoras de quatro empresas de entrega na cidade de Salvador em 2019. Também analisaram prints das telas dos celulares dos entregadores – autorizada pelos trabalhadores. A investigação mostra que eles recebem menos que o proporcional ao salário mínimo em jornadas diárias de 12 horas e possuem basicamente apenas essa atividade de trabalho. Os primeiros resultados foram publicados na revista acadêmica Contracampo (em co-autoria com Ricardo Antunes, Unicamp) e em conjunto com Sara Costa, graduanda em Economia pela UFBA, nos Cadernos do CEAS: “Trabalho descartável”. Sara também publicou textos sobre a pesquisa nos sites Política Livre e BNews . Sara também publicou com Victória Vilas Boas texto sobre o contexto da Covid-19. Ludmila Costhek Abílio: uma das principais referências sobre uberização no Brasil, atualmente realiza estágio de pós-doutoramento na Unicamp. Pesquisa desde 2014 o trabalho de motofretistas desde antes de estarem subordinados às plataformas digitais. Em artigo publicado na revista Contracampo, Ludmila analisa a transformação do que era uma profissão para “mais uma tentativa precária, instável, improvisada, passageira, de garantir a própria sobrevivência”, em processo “da vida loka do pai de família para o trabalho amador”. A isso a pesquisadora tem chamado de autogerenciamento subordinado, o que se intensifica com os bikeboys, marcados pela juvenilização. Em artigo publicado na revista Psicoperspectivas, Ludmila Abilio afirma que, com a entrega por bicicleta, “as empresas-aplicativo acabam por estabelecer um nicho até então inexistente de uma ocupação que, por suas características, já nasce como uma ocupação tipicamente juvenil, negra e periférica”. Atualmente, ela continua interessada nas condições de trabalho e organização de motoboys e bikeboys e participou da pesquisa realizada pela rede REMIR. Henrique Weiss: mestrando em Sociologia pela UFRGS, ele desenvolve investigações sobre o trabalho de entregadores ciclistas desde o trabalho de conclusão da graduação, focado na questão da governamentalidade neoliberal. Atualmente, realiza pesquisa sobre a subjetividade de entregadores, entendendo como eles estão sendo socializados no trabalho, reproduzindo e produzindo entendimentos e ações sobre a atividade. Os resultados iniciais mostram uma forte relação de apoio mútuo entre os entregadores ciclistas e, ao mesmo tempo, um aprofundamento da racionalização individual do trabalho. Isso faz com que todas as esferas da vida são planejadas para executar o trabalho de forma eficiente a fim de conseguir os maiores ganhos possíveis em uma lógica de autogerenciamento. Larissa Schwedersky: doutoranda em Antropologia Social pela UFSC, ela estuda desde o mestrado os ciclo-entregadores de Florianópolis e a questão da mobilidade urbana. Em sua dissertação, analisou os coletivos Pedivento e Orbis. Agora no primeiro ano do doutorado, Larissa quer focar somente nos aplicativos de entrega em Florianópolis e Brasília e, a partir de explorações inicias, está interessada em como o ideário neoliberal está presente nesse grupo de trabalhadores.. Paula Alves: mestranda em Ciências da Comunicação pela UNISINOS, ela está mapeando as associações e os sindicatos de motoristas e entregadoras das plataformas digitais no Brasil. A investigação mostra que há, no mínimo, 18 associações de motoristas em 12 cidades diferentes. A pesquisa em andamento tem como questão central o papel da comunicação na organização coletiva dos trabalhadores das plataformas digitais. Nina Desgranges: graduanda em Ciências Sociais pela UFRJ, ela é pesquisadora do Laboratório de Estudos Digitais e investiga canais de Youtube de entregadores de aplicativos a partir da análise de seus discursos em contexto de (re)produção de subjetividades neoliberais e plataformização do trabalho. Nina considera que, antes da pandemia, os entregadores nuvem – isto é, aqueles que não trabalham fixo para um restaurante – adotavam um ideal de self empreendedor, mas que isso está mudando. A pesquisa também evidencia as diferentes estratégias de apropriação da gestão algorítmica pelos trabalhadores. Em “Peguei um Pedido Sinistro”, Ninda Desgranges relata a rotina de um motoboy de aplicativos no Youtube. Douglas Santos Silva: graduando em Ciências Sociais pela USP, ele desenvolve iniciação científica sob a orientação de Ruy Braga sobre jovens entregadores e mercado de trabalho, considerando suas condições na atividade de ciclo entregas e suas perspectivas de futuro com relação ao trabalho e à escolaridade. A pesquisa encontra-se em processo de análise do material. Marco Gonsales: pesquisador de pós-doutorado na Unicamp, ele investiga as condições de trabalho e a organização coletiva de entregadores de plataformas digitais. Os resultados iniciais mostram que os trabalhadores relatam más condições de trabalho, além de ausência de informações e medidas de proteção para o contexto da pandemia. Porém, há entregadores que agradecem pelas empresas de plataformas pela possibilidade de estarem trabalhando. Em conjunto com Felipe Moda e André Accorsi, entrevistou 36 entregadores em São Paulo durante a Covid-19. O texto “Heróis por necessidade” será publicado em breve em uma coletânea sobre trabalho e pandemia. Marco também realiza uma investigação comparativa entre São Paulo e Cidade do México com Ana Escoto, da Universidade Nacional Autónoma do México (UNAM), cujos primeiros resultados serão publicados em 2021. Kimberly Richardson: designer graduada pela UFPel, ela desenvolveu pesquisa sobre como viabilizar, por intermédio de um dispositivo móvel, o gerenciamento do trabalho de ciclo-entregas de acordo com as necessidades apontadas pelos próprios trabalhadores. Alguns dos pontos levantados pelos ciclistas foram: apoio do coletivo de trabalho e da rede de ciclistas, cuidado com limites do corpo e tempo para descansar. Além dos pesquisadores acima, há outros grupos de pesquisa com investigações em curso sobre o trabalho de entregadores, como Trabalho, tecnologia e capitalismo digital, liderado por Geraldo Augusto Pinto e Claudia Nociolini Rebechi na UTFPR, e Trabalho na Era Digital, coordenado por Ricardo Festi na UnB. Também destacamos Marden Campos, da UFMG, e Fábio de Oliveira, do Instituto de Psicologia da USP. Em breve vamos divulgar pesquisas realizadas por eles. Conhece mais pesquisadoras e pesquisadores que estão investigando entregadores das plataformas digitais? Manda pra gente! [Foto: Nelson Antoine / Shutterstock.com] DigiLabour Compartilhar Artigo AnteriorAs plataformas dos entregadores Próximo ArtigoJogos sem vergonha de serem marxistas no Workers Game Jam 28 de junho de 2020