<strong>A desinformação tóxica na desordem informativa</strong>

Camilla Quesada Tavares

Quem é usuário assíduo das redes sociais já deve ter se deparado com comentários agressivos ou xingamentos gratuitos – ou até mesmo ter sido alvo de conteúdos dessa natureza. Esses discursos violentos encontram terreno fértil de disseminação nas plataformas de redes sociais, contribuindo para a desordem informativa que se instala nesses ambientes. Isso se torna ainda mais problemático quando falamos de agentes políticos, porque esse tipo de comportamento pode: 1) desviar o foco da discussão sobre algum tema relevante; 2) desencorajar agentes deste campo, especialmente as mulheres, a seguirem atuando na política. 

Assim, neste texto discuto brevemente o papel da violência discursiva direcionada a essas figuras públicas nas plataformas digitais, adicionando um novo elemento: a toxicidade desses discursos.

Contexto

O fenômeno da desinformação não é novo, já que mentiras e informações descontextualizadas sempre estiveram presentes na sociedade, especialmente em contextos políticos e eleitorais. De modo geral, os estudos consideram que a novidade está na circulação e alcance dessas mensagens, criando uma disputa narrativa e câmaras de eco que fazem com que, muitas vezes, elas se espalhem com muito mais facilidade do que aquelas que contêm informações verdadeiras. 

A desinformação é constituída pela propagação deliberada de informações falsas ou manipuladas que possuem o interesse de influenciar a opinião pública. A partir dela, consideramos que exista um segundo nível de desinformação, caracterizado por mensagens cujo objetivo principal é a de agredir diretamente alguém, a partir de questões pessoais ou da vida privada, mas que podem ser usadas para desviar o foco da atenção, e está situada dentro do contexto da “desordem informativa”. Chamaremos esse nível de desinformação tóxica. 

Boa parte dos trabalhos que se dedicam ao fenômeno da desordem informativa tem como foco o processo de desinformação no Twitter, Facebook ou Youtube, para citar apenas alguns casos. No entanto, observamos uma crescente onda de ataques nesses espaços tendo como alvo os agentes políticos. Isso porque ajudam a desviar o foco da discussão pública e recorrem a elementos do campo pessoal/privado para legitimar o discurso contra determinadas figuras, contribuindo também para o processo desinformativo, como argumentamos a seguir.

As questões e o argumento

Considerando o contexto apresentado, tenho refletido sobre algumas questões a respeito da violência discursiva presente nas plataformas de redes sociais:

i) Quais os tipos de discursos violentos que circulam nas plataformas de redes sociais brasileiras, direcionados a agentes do campo político?

ii) Quais as características desses discursos e o potencial de contaminação da conversação política em relação a temas de interesse público?

iii) Há diferenças na circulação de mensagens que carregam xingamentos e aquelas que têm um tom agressivo, sem necessariamente adotar termos explicitamente depreciativos?

iv) Agentes do campo político são igualmente atacados nas redes sociais ou há divergências a depender de variáveis como o gênero e espectro político-partidário?

Os questionamentos apresentados acima encontram respaldo em diferentes abordagens teóricas, mas estamos propondo investigá-los a partir da lente do toxic speech. Diferente de outros estudos que recorrem ao conceito teórico de discurso de ódio ou incivilidade, defendemos a adoção do conceito de toxicidade para definir esses discursos, porque acreditamos que nem só xingamentos, termos derrogatórios e apelidos constituem modos de reprodução da dominação na prática discursiva. 

Consideramos que os discursos de ódio se inclinam para a concepção de “palavras que ferem”, enquanto o discurso tóxico congrega uma categoria especial de calúnias ainda mais poderosas, que fazem parte dos sistemas de opressão em que estão inseridos. Uma mensagem, para ser tóxica, não precisa apresentar xingamentos explícitos, mas pode apresentar um conjunto de palavras que, pelo contexto, levam a um tipo de violência simbólica – como o uso do humor, do sarcasmo, estereótipos, dentre outros. Sua toxicidade cria e reforça os danos tanto para os alvos quanto para as comunidades, interferindo também na opinião pública. Devido a isso, consideramos que essa violência representa uma desinformação tóxica.

Nessa perspectiva, o discurso é entendido como prática social que evidencia relações de poder. Isso porque a toxicidade do discurso pode ser manifestada a partir da produção de sentidos decorrentes da união de determinadas palavras e termos, aliados ao contexto político, social e histórico, mesmo quando desprovido de insultos ou xingamentos per se. Por exemplo, o preconceito pode ser manifestado de diversas formas, não apenas xingando uma pessoa. Se alguém diz: “Ih, lá vem esse povo do Nordeste que não sabe votar”, o tom e o contexto de inserção dessa frase demonstra que ela tem um alvo explícito e é orbitada pelo preconceito contra pessoas da região, não necessariamente utilizando termos baixos ou qualquer tipo de ofensa explícita. 

A toxicidade seria um veneno que contamina o ato discursivo, que destaca os mecanismos pelos quais os atos de fala e as práticas discursivas podem causar danos. Vale ressaltar que não se trata de desconsiderar os discursos de ódio, mas sim compreendê-los como uma categoria dentro da toxicidade, que seria um conceito mais amplo e difuso, embora eu reconheça que é necessário um esforço teórico para conceituar e diferenciar um do outro. O ponto de virada aqui, me parece, é a relação com a prática discursiva, que revela um sentido implícito, e o contexto social e político. Assim, a linguagem se torna um elemento importante para a desinformação tóxica, especialmente quando relacionada à indústria da desinformação, de modo geral. É a isso que vamos nos deter nos próximos trabalhos, além de oferecer dados empíricos sobre desinformação tóxica no contexto eleitoral brasileiro de 2022. 

Camilla Quesada Tavares é professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e coordenadora do grupo de pesquisa Comunicação, Política e Sociedade (COPS).

Este texto faz parte do projeto “Global Democracy Frontliners: Transnational Research Coalition for Tech Accountability and Democratic Innovations Centering Communities in the Margins” financiado pela Luminate.

Foto: Mika Baumeister/ Unsplash

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