“A noção de trabalho digital pode apagar as diferenças entre as atividades de trabalho”, dizem autoras de novo livro

Saiu mais um livro sobre trabalho mediado por plataformas, desta vez na França. Lançado dia 25 de setembro, Les nouveaux travailleurs des applis é organizado por Sarah Abdelnour (Moi, Petite Entreprise) e Dominique Méda (Le Travail : une valeur en voie de disparition?e fruto de uma pesquisa coletiva que envolveu também as seguintes pesquisadoras: Pauline Barraud de Lagerie, Sophie Bernard, Anne Jourdain, Hélène Nasom-Tissandier, Sidonie Naulin, Diane Rodet, Luc Sigalo Santos e Morgan Sweeney.

Enviamos perguntas por e-mail, que foram respondidas conjuntamente por Sarah Abdelnour, Dominique Méda, Sophie Bernard e Diane Rodet.

 

DIGILABOUR: O livro mostra pesquisas com motoristas e entregadores de aplicativos, microtrabalhadores e até cozinheiros que vão até à casa do cliente. O que a investigação revela sobre a multiplicidade do trabalho digital na França?

ABDELNOUR, MÉDA, BERNARD e RODET: Acreditamos que a diversidade desses trabalhadores não deve ser apagada. Como mostram os capítulos do livro, não é a mesma coisa ser um chef de cozinha que vem trabalhar em casa como parte da plataforma La belle assiette e um entregador do Deliveroo, que está em período integral para essa plataforma. As remunerações não são as mesmas, nem as condições de trabalho e, portanto, a noção de trabalho digital corre o risco de apagar todas essas diferenças. Por outro lado, há pontos em comum: a competição direta exercida por essas plataformas com a prática clássica de um certo número de profissões que são empurradas paras as plataformas e também o fato de que os status de trabalho adotado é freqüentemente microempreendedorismo. Como resultado, e como mostram os capítulos do livro, os trabalhadores são frequentemente mal pagos e sem proteção, privados de apoio quando são desconectados, estão em concorrência entre si, etc. Também mostramos que, “dentro da mesma categoria” (motoristas, entregadores, microtrabalhadores), existem grandes diferenças e uma polarização bastante forte, a depender de fatores como as tarefas serem realizadas como amador ou profissional, como fonte de uma pequena renda extra ou como suporte para uma renda principal. Em resumo, a ideia de reunir todas essas atividades em uma coisa só, incluindo também aquelas que as pessoas fazem gratuitamente no Facebook, por exemplo, nos parece correr o risco de homogeneizar tudo sem fazer as distinções necessárias.

 

 

DIGILABOUR: O que a pesquisa revela sobre as possibilidades de resistência coletiva ao capitalismo de plataforma?

ABDELNOUR, MÉDA, BERNARD e RODET: Com a expansão acelerada do modelo de economia de plataforma, os trabalhadores se organizaram rapidamente para resistir à influência desses novos intermediários. A ação coletiva desses trabalhadores “autônomos”, no entanto, enfrentou grandes obstáculos, pois estão fora, a priori, do escopo da legislação trabalhista e das organizações sindicais dos assalariados. Além disso, é provável que a concorrência torne a mobilização coletiva improvável. E, no entanto, se considerarmos a França, no outono de 2015, os motoristas se reuniram na sede da Uber em Paris para denunciar o declínio nas taxas que foram decididas unilateralmente pela empresa. A partir de então, as mobilizações têm ocorrido regularmente na França, como em outros países da Europa e América. No caso francês, quais recursos permitiram a emergência e a sustentação de ações contestatórias? Isso se deve ao fato de que grupos de motoristas foram formados rapidamente no verão de 2015, sendo alguns próximos a sindicatos, ou que contaram, pelo menos, com motoristas com experiência em conflitos de trabalho. Por outro lado, e não relacionados ao surgimento desses coletivos, os motoristas compartilham uma posição social comum, uma mistura de origens sociais, trajetórias profissionais, origens migratórias e identidade masculina, que aparecem em suas práticas e seus discursos. A narrativa das mobilizações destaca os coletivos formados ad hoc, mas também mostra os atores mais tradicionais da representação dos trabalhadores: os sindicatos. Embora os grupos de motoristas pudessem usar o apoio das centrais sindicais, isso não foi isento de tensões. Os sindicalistas são, muitas vezes, suspeitos de não representarem a base dos motoristas, e isso também acontece com as confederações. Assim, os sindicatos buscam seu lugar nesse novo mundo do trabalho nos quais os empregadores ignoram as leis trabalhistas e as organizações coletivas. Ao defender os salários ou buscar alternativas, essas organizações tentam defender esses trabalhadores “autônomos” altamente controlados, que procuram proteção, mas que nem sempre se reconhecem nas organizações tradicionais.

 

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