A Sociedade da Plataforma: entrevista com José van Dijck

Depois do sucesso do livro The Culture of Connectivity,  de 2013, José van Dijck, professora da Universidade de Utrecht, Holanda, lançou no fim de 2018 The Platform Society: Public Values in a Connective World, em coautoria com Thomas Poell e Martijn de Waal. A plataforma tornou-se uma buzzword, assim como, em outras épocas, expressões como cibercultura ou redes. Confira a entrevista de van Dijck por e-mail à DigiLabour:

 

DIGILABOUR: Você afirma que as plataformas produzem as estruturas sociais onde vivemos. O que você quer dizer com a plataformização da sociedade?

JOSÉ VAN DIJCK: A plataformização da sociedade refere-se à inextricável relação entre plataformas online e estruturas societais. Muitos dos nossos setores sociais, seja transporte, saúde, educação ou jornalismo, têm se tornado quase inteiramente dependentes das infraestruturas digitais providenciadas pelas cinco grande empresas de plataformas dos Estados Unidos: Google (Alphabet), Amazon, Facebook Apple e Microsoft. Eles arquitetaram suas infraestruturas de acordo com os mecanismos de plataforma que nós definimos como dataficação, mercantilização e seleção algorítmica. Gradualmente, devido às nossas dependências em relação a determinadas infraestruturas, esses mecanismos começam a estruturar nossas vidas inteiras. Por exemplo, as organizações jornalísticas estão cada vez mais dependentes dos mecanismos de distribuição online possuídos e operados por Facebook e Google. As escolas e universidades começaram a reestruturar seus currículos a partir dos ambientes personalizados de aprendizado fornecidos por Google, Amazon, Facebook e Microsoft.

 

DIGILABOUR: Como você relaciona dataficação e neoliberalismo?

VAN DIJCK: As plataformas não são constructos neutros ou livres de valor. Elas vem com normas e valores específicos inscritos em suas arquiteturas. Estas normas podem ou não conflitar com os valores fixados nas estruturas sociais, onde as plataformas competem para vir a ser implementadas. A dataficação e a mercantilização estão enraizadas nos princípios neoliberais do capitalismo dos Estados Unidos. Os dados são recursos transformados em mercadorias pelo processamento algorítmico. No entanto, o problema é que os processos sociais e econômicos estão ocultos nos algoritmos, nos modelos de negócios e nos fluxos de dados que não estão abertos ao controle democrático. Assim, a ideologia do neoliberalismo define a arquitetura da nossa sociedade conectiva. Uma arquitetura que não deixa espaço para setores públicos, valores públicos e espaço público. E é a ausência de valores públicos e de espaço público que faz com que essa arquitetura entre em choque com sistemas ideológicos em outras partes do mundo, particularmente na Europa.

 

DIGILABOUR: Como a plataformização tem afetado o jornalismo, considerando sua organização do trabalho e as dimensões econômicas e tecnológicas?

VAN DIJCK: O crescimento das plataformas tem afetado profundamente as dimensões econômicas e tecnológicas do jornalismo no mundo todo. As grandes plataformas operadas por Facebook e Google assumiram a distribuição de notícias sem assumir as responsabilidades que vêm tradicionalmente com as organizações jornalísticas. O Facebook e o Google efetivamente causaram a “desagregação” e o “reagrupamento” do conteúdo de notícias, das audiências e da publicidade. Essas duas empresas juntas controlam o mercado de publicidade e a distribuição de notícias personalizadas. Elas não apenas atrapalham os modelos de negócios das organizações jornalísticas, mas também abalaram os próprios valores e normas em cima dos quais o jornalismo é construído: independência, precisão, accountability, entre outros. O Facebook não se considera uma empresa de mídia e, graças a uma grande falha na lei dos Estados Unidos (seção 230 da Lei de Decência nas Comunicações, de 1996), não pode ser responsabilizado pela distribuição de discursos de ódio, desinformação e outros tipos de poluição no mundo conectivo. A arquitetura imposta pela plataforma também acarreta grandes repercussões na organização do trabalho jornalístico: assim como a Uber tem motoristas que “não são seus”, os jornalistas estão cada vez mais separados das organizações midiáticas. As empresas de plataforma preferem contornar as instituições, promovendo a conectividade entre indivíduos e consumidores privados, minando, desta forma, a coletividade e os valores públicos.

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