Automação e Futuro do Trabalho: entrevista com Aaron Benanav

Aaron Benanav, pesquisador de pós-doutorado na Humboldt Universität zu Berlin, publicou um dos livros mais comentados de 2020: Automation and the Future of Work. Na obra, Benanav aprofunda o argumento utilizado em textos da New Left Review de que não são a ascensão dos robôs e a automação que estão tomando nossos empregos, mas o agravamento da estagnação econômica e a desindustrialização, inclusive a contenção – ou, no Sul Global, a não ocorrência – do Estado de bem-estar.

Em entrevista a Jamie Woodcock no Notes from Below, Benanav afirma: “estou particularmente interessado em como esse hype em torno da automação do trabalho deu origem a uma teoria social mais ampla, que argumenta que a tendência à automação está gerando conflitos sociais. Eles dizem: olhe ao seu redor, os trabalhadores estão sendo substituídos cada vez mais por máquina inteligentes e, no futuro, a maior parte da mão de obra ficará obsoleta”.

Diante desse cenário, o autor se pergunta quais movimentos sociais são necessários para nos levar a um mundo pós-escassez se a inovação tecnológica não é capaz de fazer isso por si mesma? Para ele, “lutar contra a maré em direção a um futuro mais humano dependerá das massas de trabalhadores recusando-se a aceitar um contínuo declínio de demanda por trabalho e a crescente desigualdade econômica que isso acarreta. As lutas contra isso já estão ocorrendo em todo o mundo”. Benanav considera que é pouco lutar por uma renda básica universal e que precisamos inaugurar um planeta pós-escassez.

Nesta entrevista exclusiva de Aaron Benanav ao DigiLabour, comentamos sobre:

 

DIGILABOUR: Sua crítica em relação aos teóricos da automação é muito interessante, inclusive aos pensadores de esquerda, como Aaron Bastani, Peter Frase e Nick Srnicek. Mas queria que você contasse um pouco mais sobre sua crítica a estes.

AARON BENANAV: Antes de discutir minha crítica, quero dizer que considero inspirador o utopismo dos teóricos da automação de esquerda. Eles estão tentando resgatar o projeto emancipatório de suas ruínas, sonhar e lutar por um amanhã melhor em que: 1) a humanidade seja libertada da insegurança econômica; 2) o trabalho se torne muito menos central para a vida social; e 3) as pessoas sejam livres para perseguir suas paixões como bem entenderem. Os teóricos de automação de esquerda olham para as novas tecnologias emergentes tanto para explicar quanto para solucionar problemas de emprego nas sociedades capitalistas. No entanto, eles não são ingênuos sobre as formas como o capitalismo molda o desenvolvimento tecnológico. Ou seja, em comparação com os teóricos da automação do centro e da direita, os de esquerda são mais críticos em relação à forma como as tecnologias estão sendo implantadas atualmente. Eles também veem os perigos associados às variantes neoliberais da renda básica universal.

A minha crítica aos teóricos da automação de esquerda é que, como os outros teóricos da automação, eles dão uma má explicação para o fato de as economias capitalistas estarem gerando altos níveis de subemprego e de desigualdade atualmente. Eles identificam esses problemas como evidências de que ocorreu um avanço qualitativo em questões tecnológicas. Em suma, eles acreditam que as máquinas industriais e a inteligência artificial estão tornando o trabalho humano obsoleto em cada vez mais setores econômicos.  Mas, de uma perspectiva econômica, não há nenhuma evidência de que isso está realmente acontecendo. Claro, as inovações tecnológicas estão sendo implementadas na produção o tempo todo. Mas as taxas de crescimento da produtividade do trabalho estão diminuindo, não aumentando. Isso é exatamente o oposto do que se esperaria ver se houvesse um avanço para uma nova era de automação. É por isso que eu digo que o principal problema da economia hoje não é a rápida destruição de emprego devido à implantação de novas tecnologias ligadas à automação. O principal problema é que os empregos não estão sendo criados tão rapidamente como no passado, porque as economias estão crescendo cada vez mais devagar. As economias estão estagnadas, o que por si só retarda o desenvolvimento de tecnologias, pois isso está associado a um persistente subinvestimento.

Essa crítica aos teóricos da automação de esquerda em relação às questões de explicação causal também tem implicações sobre como pensamos sobre as questões de estratégia. Libertar as pessoas da insegurança econômica , tornar o trabalho menos importante para a vida e encorajar todo mundo a pensar em suas vidas em termos da busca de suas paixões devem continuar sendo objetivos centrais do projeto emancipatório. Mas as tecnologias de automação não nos levarão lá. Isso significa que teremos que encontrar caminhos sociais, em vez de tecnológicos, para o mundo pós-escassez. Teremos que pensar não apenas em eliminar o trabalho, mas também em reorganizá-lo. Não devemos somente fazer com que inteligências artificiais tomem decisões por nós, mas descobrir como organizar nossas instituições para que possamos planejar e coordenar nossa atividade por nós mesmos.
 

DIGILABOUR: Você acha que a adoção da renda básica universal é um erro? 

BENANAV: Se a adoção da renda básica universal é um erro ou não, é uma questão estratégica que só se pode avaliar no contexto de conjunturas políticas específicas. Minha crítica é em relação à ideia de que a renda básica universal é a “bala de prata” que resolverá os problemas fundamentais de uma economia com baixa demanda de mão de obra. Sempre que exponho minhas críticas à renda básica universal, sempre começo explicando por quais motivos eu acho que ela atrai tantas pessoas. Em muitos países, incluindo os EUA e o Brasil, os benefícios sociais são condicionais. Os Estados criam burocracias punitivas, que tratam os pobres com desconfiança, se não com desprezo. Os pobres têm de provar que são merecedores de assistência (como se ser pobre não fosse já muito duro). Dado que é assim que as políticas sociais são organizadas, faz sentido defender benefícios incondicionais ou universais. A ideia de que esses benefícios universais devam ser pagos em dinheiro também faz sentido, pelo menos no início, na medida em que implica uma maior liberdade para os pobres administrarem seus próprios negócios. Mas devemos realmente confiar no mercado para atender às nossas necessidades mais básicas? Acho essa posição insustentável.  Os sempre produzirão menos bens coletivos, tais como educação e saúde, e mais “maus” coletivos, como poluição e tráfego. Recorrer aos mercados para atender às nossas necessidades também sujeita nossa seguridade econômica e social às decisões de empresas altamente antidemocráticas e com fins lucrativos. Isso, eu acho, acabou sendo um erro gigantesco. Especialmente em períodos de crise, as decisões de investimento das empresas privadas determinariam quanto valeria uma renda básica universal (determinando quais coisas de que precisamos serão produzidas e em quais quantidades).

Os teóricos da automação recorrem à renda básica universal por outro motivo. O argumento deles é que tecnologias como aprendizado de máquina, inteligência artificial e robótica avançada estão criando um mundo de abundância, no qual bens e serviços são produzidos em grandes volumes sem a necessidade de trabalho humano. Se isso fosse verdade, então o problema que iria enfrentar seria principalmente de distribuição: os trabalhadores não seriam mais capazes de vender sua força de trabalho, então eles não teriam os meios para comprar os bens e serviços cada vez mais abundantes da sociedade. Uma renda básica universal consertaria isso. Mas este é um diagnóstico errado. As taxas de crescimento econômico não estão acelerando, devido às altas taxas de crescimento da produtividade. Ao contrário, as taxas de crescimento econômico estão diminuindo, assim como as taxas de crescimento da produtividade. Em economias cada vez mais estagnadas, os programas de renda básica universal enfrentariam o mesmo problema que outros programas de bem-estar social, especialmente considerando o quão caro seria um programa de renda básica universal verdadeiramente libertador. As empresas culpariam a renda básica pela baixa produtividade dos trabalhadores e colocariam muita pressão sobre os governos para manter os níveis de benefícios baixos, a fim de “melhorar o ânimo dos negócios” e acelerar as taxas de crescimento econômico. Em vez de pressionar por níveis mais altos de renda básica universal, os defensores teriam que defender seus programas contra austeridade e cortes no orçamento.

O problema que enfrentamos hoje não é de distribuição, mas principalmente de produção. Temos que reorganizar a produção, arrancando o controle sobre as decisões de investimento da minúscula classe de investidores ricos, reorganizando e redistribuindo o trabalho e garantindo às pessoas acesso ao que precisam. Nós devemos fazer isso em parte por meio de uma renda básica, mas principalmente proporcionando às pessoas um acesso não mercadológico a produtos e serviços.
 

DIGILABOUR: Você comenta, por um lado, o índice de proteção ao emprego da OCDE, no qual trabalhadores brasileiros com contratos de trabalho “padrão” tiveram proteções trabalhistas mais fortes do que trabalhadores equivalentes no Reino Unido. Por outro lado, você aponta o “emprego não padrão” como um termo impróprio. A própria história da economia brasileira – como a maioria dos países do mundo – é baseada na informalidade e no gig como norma permanente da classe trabalhadora. Quão significativo é isso e como você posiciona o Brasil em seu argumento?

BENANAV: Eu digo que “emprego não padrão” é um termo impróprio para marcar as evidentes contradições conceituais e empíricas no cerne deste conceito. Como esse trabalho poderia ser “fora do padrão” se é responsável pela maioria do trabalho em todo o mundo? A informalidade é mais comum do que a formalidade. O que é surpreendente e requer explicação é como o emprego formal com fortes proteções sempre foi visto como uma norma para a qual as economias capitalistas estavam tendendo. Na realidade, o “contrato de trabalho padrão” tornou-se uma norma apenas em países ricos – que representam uma pequena parte da força de trabalho do mundo – e somente por um período breve de tempo. Mesmo nesses países, isso nunca foi totalmente generalizado na força de trabalho. Grandes setores da população, especialmente mulheres, permaneceram precariamente empregados, mesmo no auge do boom do pós-guerra. Ainda assim, o fato de que esses grupos não foram totalmente incluídos no regime de emprego padrão não nega a existência anterior desse regime, nem a forma como a divisão entre formas protegidas e não protegidas de trabalho continua a moldar os mercados de trabalho.

Após a Segunda Guerra Mundial – em resposta às demandas dos trabalhadores e à ameaça da expansão soviética – os governos dos países capitalistas avançados estenderam os benefícios do Estado de bem-estar e ofereceram novas proteções legais aos trabalhadores. Essas proteções foram copiadas por muitos Estados pós-coloniais na era da descolonização e do desenvolvimento. Na época, parecia que seria possível gerar pleno emprego em todo o mundo com base nos princípios keynesianos de gestão macroeconômico, também relacionados à economia desenvolvimentista. A meta de pleno emprego global foi consagrada no Artigo 55 da Carta das Nações Unidas, mas nunca chegou perto de se aproximar de sua realização. Alcançar essa meta exigiria que os países em todo o mundo sustentassem taxas rápidas de crescimento econômico e criação de empregos por um longo tempo. Essas condições não foram sustentadas, nem mesmo temporariamente alcançadas em muitos países.

Na verdade, os observatórios internacionais já estavam notando a falta de criação de empregos e a expansão dos assentamentos urbanos informais e do trabalho temporário no Brasil nas décadas de 1950 e 1960. Eles argumentaram que esse problema era específico dos países em desenvolvimento, tendo a ver com altos níveis de desigualdade e estratégias de desenvolvimento mal escolhidas. Na América Latina, muitos atribuíram isso, por outro lado, aos padrões internacionais de comércio, que prejudicavam os produtores de commodities primárias. Em qualquer caso, nos anos 1950 e 1960, o problema parecia estar confinado ao Sul Global. Os países do Norte Global ainda experimentavam pleno emprego. No entanto, na década de 1970, os mesmos problemas de baixa demanda de trabalho foram espalhando-se para o Norte Global.

As taxas de desemprego aumentaram e permaneceram altas. Com a virada neoliberal da década de 1980, governos em todos os lugares começaram a responder de forma punitiva em relação aos trabalhadores que tinham dificuldade em encontrar empregos estáveis. Os Estados reduziram as proteções legais e de bem-estar dos trabalhadores e os forçaram a aceitar quaisquer empregos disponíveis. Em condições de piora da estagnação econômica, isso significava que os trabalhadores tinham de aceitar empregos que cortavam salários, horas de trabalho ou uso de suas habilidades. Não encontrando ninguém disposto a contratá-los, muitos trabalhadores conseguiram empregos para si próprios no setor informal, vendendo diretamente no mercado. Essas tendências já vinham se desenrolando nos países do Sul Global há muito tempo (pelo menos desde a década de 1920), mas, a partir da década de 1980, governos em todos os lugares começaram a estimular essas tendências. A mudança em direção à política neoliberal – em relação ao que eles chamaram de “políticas flexíveis de mercado de trabalho” – foi acompanhada por níveis elevados ou crescentes de desigualdade, particularmente no Sul Global, onde os Estados rescindiram as proteções trabalhistas como parte dos programas de ajuste estrutural liderados pelo FMI.

Claro, ainda existem trabalhadores em todos os países que têm fortes proteções trabalhistas. Esses trabalhadores estão relativamente mais protegidos das consequências da baixa demanda de trabalho. Às vezes, eles conseguem obter aumentos salariais mesmo quando o desemprego e o subemprego são altos para todos os outros. Em contraste, os trabalhadores que carecem de tais proteções estão sujeitos aos altos e baixos do mercado de trabalho em um grau muito maior. Quando a demanda de trabalho é fraca – que é a condição normal hoje em dia – os trabalhadores precários veem suas posições de negociação enfraquecerem significativamente em relação aos empregadores. Eles não podem exigir salários mais altos ou melhores condições de trabalho, e têm que desistir de qualquer esperança de autonomia no trabalho.


DIGILABOUR: E o que chamam de gig economy…

BENANAV: A gig economy não cria essas condições. Ela explora os trabalhadores, assim como muitos outros negócios tradicionais. Para entender melhor a gig economy, devemos comparar o gig work a outras formas de trabalho não protegidos em vez de empregos com proteções sociais que a maioria dos trabalhadores nunca teve. Os trabalhadores muitas vezes acabam na gig economy porque parece oferecer algo melhor do que os outros empregos sem proteção social. Em comparação com a microgestão por seres humanos vingativos, a gestão por algoritmos tem um certo fascínio. Em muitos empregos não baseados em gig, os trabalhadores são forçados a trabalhar em “horários flexíveis” em empresas que economizam dinheiro por permanecerem com falta de pessoal. Os trabalhadores têm que trabalhar por curto prazo ou ficar mais tarde do que o esperado. Em vez de serem demitidos, eles têm suas horas reduzidas a quase zero, então são forçados a pedir demissão e não recebem seguro-desemprego. Na gig economy, os trabalhadores são informados de que podem definir seus próprios horários. Esses trabalhadores só aprendem como o gerenciamento algorítmico é insidioso depois de trabalharem na gig economy.


DIGILABOUR: Outros autores como Antonio Casilli (com o aumento da taskificação do trabalho) e Janine Berg (da OIT, com ênfase na diminuição da qualidade do trabalho) também têm, por vias distintas, argumentado sobre o subemprego persistente. Como o seu diagnóstico difere, por exemplo, dessa abordagem da qualidade do trabalho (job quality)?

BENANAV: Um dos principais problemas enfrentados pelos estatísticos do trabalho hoje é que o desemprego não funciona muito bem como uma categoria para analisar as condições do mercado de trabalho, ou seja, a oferta e a demanda de mão de obra. Enfrentando perspectivas ruins, muitos trabalhadores param de procurar trabalho remunerado ou aceitam empregos de baixa qualidade enquanto procuram algo melhor. Em resposta, os estatísticos do trabalho tentaram desenvolver uma série de outras categorias – trabalho informal, trabalho atípico, trabalho vulnerável – para capturar a verdadeira extensão do excedente de trabalho. Particularmente desde a década de 1970, quando surgiu a categoria de informalidade, uma estratégia comum tem sido tentar identificar qualidades particulares de empregos ruins e, então, contar o número de empregos com essas qualidades. Quantas pessoas estão em trabalho de meio período de forma involuntária? Ou em trabalhos temporários? Ou faltam contratos formais? Ou trabalham em microempresas de cinco trabalhadores ou menos? Este trabalho estatístico é muito importante porque precisamos divulgar a verdadeira extensão da insegurança no trabalho hoje.

Um grande problema é que nenhuma estatística única e resumida foi encontrada de maneira que pudesse realmente substituir a taxa de desemprego. Não há nem mesmo uma maneira padrão de relatar um trabalho “fora do padrão”. Geralmente é dividido em uma série de subcategorias. Cada vez mais, somos forçados a reconhecer que o desemprego não é uma experiência econômica evidente. É moldado por políticas. Implementar proteções trabalhistas, políticas de saúde e segurança, salários mínimos e programas de seguro-desemprego foi uma forma de os governos tentarem padronizarem a questão do trabalho. Aqueles que precisavam de empregos eram, assim, encorajados a se revelar ao Estado como desempregados para que o governo pudesse contá-los e administrar seus negócios. Em países que nunca implementaram toda a gama de políticas de bem-estar e de mercado de trabalho, como o Brasil, era impossível produzir uma taxa de desemprego confiável. Muitos trabalhadores continuaram a trabalhar por conta própria, ou como mão-de-obra familiar não remunerada, no que mais tarde foi chamado de “setor informal” da economia. Esses trabalhadores vivenciaram a falta de trabalho como uma perda de renda e não como perda de um emprego e, portanto, não podiam ser contados nos termos das estatísticas de desemprego.

Quando o Estado desistiu do projeto de padronizar as experiências do mercado de trabalho – em face da queda das taxas de crescimento econômico e da crescente insegurança econômica – as experiências de desemprego mudaram cada vez mais. Os estatísticos reconheciam cada vez mais que, em vez de uma forma primária de desemprego chamada “desemprego”, proliferava uma variedade de diferentes formas de “subemprego” na sociedade. Os estatísticos tentaram coletar informações sobre essas diferentes formas, mas é difícil resumi-las de maneira organizada.

O problema é que a coleta de estatísticas dessa forma às vezes pode dar a impressão errada – de que melhorar a vida dos trabalhadores é simplesmente uma questão de melhorar a qualidade do trabalho, peça por peça e, portanto, de transferir os trabalhadores de “empregos ruins” para “empregos bons” ao longo do tempo. Essa perspectiva é, creio eu, estática demais. Os proponentes da “abordagem underground” latino-americana já diziam isso na década de 1980. Alejandro Portes e seus colegas acertaram ao criticar os modelos de dois setores, como o da OIT, que davam a impressão de que resolver o problema era apenas formalizar a economia informal. Na realidade, os setores formal e informal estão dinamicamente interrelacionados de maneiras que dependem das proteções jurídico-institucionais específicas em vigor em cada país. A OIT foi forçada a reconhecer isso na década de 1990, quando as mudanças na legislação trabalhista em muitos países tornaram mais fácil para as empresas formais contratar trabalhadores sem contratos formais. A OIT, então, expandiu o conceito de “setor informal” para incluir uma variedade de formas do chamado “emprego informal”.

Enfrentando uma demanda persistentemente baixa por sua mão de obra, os trabalhadores fazem o que podem para sobreviver. Ao mesmo tempo, as empresas estão sempre procurando novas maneiras de explorar trabalhadores desprotegidos. Quando esses trabalhadores ganham proteções trabalhistas, as empresas encontram maneiras de contorná-los. Uma vez que os políticos precisam tentar encontrar maneiras de melhorar a confiança das empresas, para fazer o investimento privado voltar a funcionar, eles frequentemente estão dispostos a aprovar leis que tornem mais fácil para as empresas explorarem a desproteção dos trabalhadores. Ou então os governos ignoram suas próprias regulações, fechando os olhos para práticas comerciais desagradáveis. Uma vez que os governos se tornam cúmplices em tornar os trabalhadores mais desprotegidos, o projeto de medir o subemprego se torna muito mais difícil.

Meu uso do conceito de subemprego, por todas essas razões, não é uma categoria estatística precisa. Para mim, o subemprego é uma categoria teórica que visa capturar um processo dinâmico. Não podemos medir a extensão do subemprego com tanta facilidade. Não creio que seja equivalente ao número de trabalhadores que trabalham meio período, mas procuram trabalho full time. Definir dessa forma, como faz agora a OIT, é admitir a derrota no que diz respeito à construção estatística. Na verdade, muitas das maneiras pelas quais os trabalhadores se encontram subempregados não são captadas por esta estatística (ou por qualquer outra). Por exemplo, trabalhadores com diploma universitário que trabalham em empregos que não exigem mais do que o Ensino Médio não são considerados subempregados. Este “subemprego instruído” constitui uma grande parte do subemprego em muitos países, especialmente em regiões do Sul Global, como o Norte da África.

No final, argumento, a melhor medida do grau de subemprego dos trabalhadores é a tendência da participação do trabalho na renda. Devemos olhar para as diferenças entre o crescimento médio da produtividade, o crescimento médio do salário real e o crescimento médio do salário real. Essa medida captura os efeitos, em vez da topologia, da escassez de mão de obra. Sempre que a renda dos trabalhadores não aumenta em linha com a produtividade do trabalho, isso é uma indicação de que eles têm um poder de negociação fraco. Eles não são apenas mal pagos; eles provavelmente estão enfrentando condições de trabalho em deterioração.

Claro, ainda devemos lutar para melhorar a qualidade do trabalho para trabalhadores desprotegidos de todas as maneiras que pudermos. Mas, no final, a melhoria das condições dos trabalhadores dependerá mais da transformação do ambiente econômico e político mais amplo do que de lobby para melhorar as leis trabalhistas. Dada a piora da estagnação econômica, tornar melhor a vida dos trabalhadores exigirá que arrancemos o controle sobre as decisões de investimento da pequena classe de investidores privados. As decisões de investimento precisam ser socializadas, democráticas, desconectadas da lucratividade e usadas para melhorar as condições de trabalho tanto quanto a produtividade do trabalho.
 

DIGILABOUR: Você afirma que as pessoas podem projetar algoritmos e protocolos a partir de tecnologias digitais como uma possibilidade para o cenário atual. Quais projetos você entende que são interessantes?

BENANAV: Hoje, as empresas estão usando tecnologias digitais para supervisionar os trabalhadores de forma furtiva, gerenciá-los à distância e separar os processos de produção e distribuí-los pelo mundo, como partes de complexas cadeias de suprimentos globais. O que significaria usar essas tecnologias em benefício dos próprios trabalhadores, em um mundo realmente livre e emancipado? Os teóricos da automação de esquerda falam sobre como usar novas tecnologias digitais para tornar o trabalho obsoleto, automatizando-o. Alguns teóricos também falam sobre o uso de ferramentas digitais para planejar a economia, algoritmicamente, com supercomputadores resolvendo vastos sistemas de equações.

Essa é a abordagem errada. Claro, devemos usar novas tecnologias para nos livrar do trabalho que não queremos fazer, sempre que possível (pode ser muito menos possível fazer isso do que as pessoas pensam, com nossas capacidades técnicas atuais). Devemos também usar tecnologias digitais para nos ajudar a tomar decisões – por exemplo, sobre o local ideal para construir um depósito de baterias para armazenar energia renovável. A questão é que os seres humanos devem tomar as decisões sobre essas questões. Precisamos pensar com mais criatividade sobre como as tecnologias digitais podem nos ajudar a coordenar nossas atividades de novas maneiras, sem a necessidade de reuniões intermináveis. Eu chamo as formas estruturadas de comunicação que as tecnologias digitais tornam possíveis de “protocolos” e os contrasto com algoritmos, que são cálculos automatizados (complexos).

Estou particularmente interessado em como os protocolos digitais podem tornar possível para os trabalhadores se coordenarem em muitos locais de trabalho diferentes, para resolver o problema do “cálculo socialista” sem recorrer aos mercados ou planejamento centralizado. Mas aqui vou dar um exemplo mais simples. Na Holanda, existe uma empresa chamada Buurtzorg que fornece serviços de saúde domiciliar para pessoas que não podem cuidar de si mesmas. As enfermeiras que trabalham na Buurtzorg não têm gerentes humanos, mas, ao contrário dos motoristas do Uber, também não são gerenciadas por algoritmos. Em vez disso, elas trabalham em equipes pequenas e autogerenciadas, cuidando de seus próprios problemas e organizando seu trabalho juntas em uma determinada área geográfica. As enfermeiras usam uma intranet especialmente desenvolvida para pedir conselhos a outras equipes de enfermeiras, por exemplo, para encontrar uma especialista entre as enfermeiras que saiba como lidar com uma doença específica.

Novamente, se pensarmos de forma criativa, podemos encontrar muitas outras maneiras de usar essas tecnologias para facilitar a coordenação entre grupos autônomos de trabalhadores. Mas esses esforços enfrentarão fortes limites enquanto a sociedade permanecer capitalista. A maioria das empresas se recusará a implementar tecnologias que tornem mais fácil para os trabalhadores se coordenarem. Os proprietários e gerentes temem que os trabalhadores tenham autonomia para exigir salários mais altos. De modo geral, as empresas se recusam a investir no desenvolvimento de tais tecnologias. Isso nunca é feito. Em vez disso, as empresas se concentram em encontrar maneiras de usar tecnologias para separar e alienar trabalhadores uns dos outros, para tornar mais fácil explorá-los. Não seremos realmente capazes de mudar essa lógica empresarial até que mudemos a sociedade de forma mais ampla. Mesmo assim, devemos pensar em como usar as tecnologias digitais para fins emancipatórios e começar a desenvolver os protocolos do futuro.

 
DIGILABOUR: Gosto muito da sua frase final no livro e tenho que fazer esta pergunta dificílima: quais são os primeiros passos para construir uma luta social massiva?

BENANAV: Infelizmente, não há uma maneira para criar lutas sociais massivas. A verdade é que elas não são construídas, mas vão inchando. As pessoas são arrebatadas por essas lutas. Ainda assim, vivemos em uma era em que essas lutas estão ocorrendo com mais frequência, e em mais países. Há cada vez mais lutas sociais ocorrendo. Podemos nos preparar para elas e, quando ocorrerem, podemos mergulhar nelas, tentando empurrá-las em direções amplamente emancipatórias. Fazer isso é especialmente importante hoje, uma vez que muitos movimentos parecem incipientes no início, virando para a direita ou para a esquerda com o tempo. Muito já foi escrito sobre essas questões. Eu não sinto que tenho muito a acrescentar. O que direi é que não vejo como conseguiremos realmente transformar a economia e a sociedade sem que essas lutas aumentem. Em meu livro, simplesmente tentei explicar por quais motivos acho que essas lutas estão crescendo – de certa forma, para justificar sua ocorrência. No momento, estou focado em fazer o que puder para ajudar a esclarecer os objetivos para os quais acredito que essas lutas devem visar.


Em breve, mais novidades com Aaron Benanav no DigiLabour!

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