Christian Fuchs, professor da University of Westminster, é um dos maiores pesquisadores da área de comunicação atualmente. Suas pesquisas têm se dedicado a compreender, a partir de uma perspectiva marxista, questões de mídias sociais, trabalho digital e teoria social. É autor de livros como Social Media: a critical introduction, Digital Labour and Karl Marx e Critical Theory of Communication: New Readings of Lukács, Adorno, Marcuse, Honneth and Habermas in the Age of the Internet. Organizou recentemente o livro Digital Objects, Digital Subjects : Interdisciplinary Perspectives on Capitalism, Labour and Politics in the Age of Big Data. Fuchs é editor da revista tripleC e diretor do Instituto de Pesquisa em Comunicação e Mídia em Westminster. Lançará em outubro o livro Nationalism on the Internet: Critical Theory and Ideology in the Age of Social Media and Fake News.
Fuchs conversou com a DigiLabour sobre trabalho digital, cooperativismo de plataforma, socialismo, internet e comunicação alternativa e novos nacionalismos. Confira:
DIGILABOUR: Você foi um dos primeiros pesquisadores a escrever sobre trabalho digital. Desde então, apareceram expressões como uberização, capitalismo de plataforma e plataformização. Além disso, houve uma intensificação do trabalho precário, especialmente em países como o Brasil. Para você, qual é hoje a questão crucial para a pesquisa sobre trabalho digital?
CHRISTIAN FUCHS: O trabalho é uma relação social entre a classe dominante e a classe explorada. A questão-chave da pesquisa sobre trabalho digital é entender como as relações de classes estão se transformando no capitalismo contemporâneo, o que inclui o capitalismo digital como uma das várias dimensões que moldam a vida dos seres humanos. A classe é um aspecto objetivo da existência dos seres humanos na sociedade de classes, e também é, como aprendemos com E.P. Thompson, uma experiência de classe. Uma questão importante para a pesquisa é como o trabalho digital é vivenciado por trabalhadores em todo o mundo, quais são os pontos em comum e as diferenças de certas formas de trabalho digital em diferentes países e partes do mundo, e como essas experiências e lutas reais ou potenciais interagem com o capital.
DIGILABOUR: Temos observando movimentos em torno de organização coletiva dos trabalhadores das plataformas e a emergência de novas formas de organização do trabalho, como o cooperativismo de plataforma. Como você compreende esses movimentos, incluindo suas contradições, em relação ao seu potencial emancipatório?
FUCHS: As cooperativas têm sido importantes ao longo da história da classe trabalhadora. Marx escreveu que as cooperativas “são, dentro da antiga forma, a primeira ruptura do modelo anterior, apesar de que, em sua organização real, reproduzam e tenham de reproduzir por toda parte, naturalmente, todos os defeitos do sistema existente”. As cooperativas de plataforma, cooperativas digitais e cooperativas culturais são uma expressão do desejo e da tentativa de uma economia cooperativa que vá além do capitalismo. Ao mesmo tempo, elas operam em condições de trabalho assalariado e em contexto competição, o que pode facilmente tornar o trabalho precário e marginal. Além disso, há o perigo, como ressalta Marisol Sandoval, de se transformarem em projetos ligados ao empreendedorismo e ao individualismo. As cooperativas só podem apresentar um potencial progressista se fizerem parte de um movimento socialista rumo a uma sociedade socialista, lutando com outras pessoas contra o capital em campanhas políticas coletivas, ou seja, se são projetos políticos e não apenas econômicos.
DIGILABOUR: Você coordenou uma equipe de pesquisadores no projeto netCommons, que mostra que a maioria das pessoas está interessada em alternativas às plataformas comerciais. Como podemos avançar nesta questão?
FUCHS: O netCommons foi um projeto financiado pela União Europeia entre 2016 e 2018 com equipes nos seguintes países: França, Grécia, Itália, Espanha, Suíça, Grécia e Reino Unido. A pesquisa estudou o comum em rede, especialmente redes comunitárias, que são projetos alternativos à infraestrutura da rede de computadores. A tarefa da equipe da Universidade de Westminster, que eu liderei, era trazer uma perspectiva ligada à economia política para o projeto. Estávamos interessados em alternativas para a Internet em geral. Tais alternativas que promovem o comum digital são importantes nos níveis de infraestrutura, software e conteúdo. O que descobrimos é que há interesse dos usuários em alternativas. Mas alternativas também são difíceis de organizar. Os usuários temem que, se essas alternativas forem organizadas apenas no nível local, isso resulte em formas de nacionalismo no nível local (um localismo de mente estreita). Com isso, temem não conseguir desafiar o poder das corporações globais monopolistas do capitalismo digital. Como consequência, é importante que a sociedade civil e projetos por uma Internet sem fins lucrativos que tentam promover o comum digital cooperem com o serviço público e as organizações municipais e que as transformações não sejam vistas como uma questão puramente econômica, mas também como uma necessidade de transformar políticas públicas e a legislação de tal maneira que as alternativas sejam melhor apoiadas, que as empresas digitais e de comunicação sejam tributadas adequadamente, etc. Há também o perigo de que as alternativas à Internet se transformem em comunidades de nerds limitadas a eles como insiders, impedindo as pessoas comuns que não são nerds da computação de verem seus interesses nisso. Os projetos autonomistas geralmente enfrentam o mesmo problema quando eles se transformam, como critica Murray Bookchin, em estilos de vida. Portanto, é importante que projetos alternativos sejam baseados em uma cultura inclusiva. Para superar a marginalização econômica (redes pequenas, baixo número de usuários, falta de expansão, falta de recursos) e a marginalização política (falta de voz política), um projeto alternativo pode cooperar com campanhas, grupos de advocacy, sociedade civil, municípios, e instituições públicas. Os projetos ligados ao comum digital devem formar híbridos com projetos sociais, urbanos e outros projetos em torno do comum, para que sejam movimentos híbridos que façam demandas híbridas.
DIGILABOUR: Você tem defendido a Internet como serviço público e a slow media como alternativas ao cenário atual. Isso parece muito distante da realidade brasileira…
FUCHS: A Internet capitalista domina globalmente, não apenas no Ocidente e não somente no Sul Global. A luta por alternativas é necessária em todas as partes do mundo. Uma Internet alternativa deve ser uma combinação entre plataformas de Internet como serviço público e cooperativas de plataforma. Onde quer que os usuários/cidadãos estejam começando a confrontar a Internet capitalista e o capitalismo, há a possibilidade de mudanças progressistas, com demandas políticas que promovam alternativas, começando a construir alternativas. No final, a luta por uma Internet alternativa e por uma comunicação alternativa só é possível como parte da luta mais ampla pelo socialismo. E o socialismo é necessário em todos os lugares. O socialismo é a luta pela democracia na economia, na política e na cultura. Uma esfera pública democrática faz parte do socialismo como democracia participativa.
DIGILABOUR: Você está para lançar um livro sobre novos nacionalismos e têm falado sobre capitalismo autoritário. Como compreender isso, em um cenário de Bolsonaro, Trump e Brexit?
FUCHS: Em muitas partes do mundo, experimentamos a ascensão de formas autoritárias de capitalismo. O surgimento de novos nacionalismos é o aspecto mais perturbador e preocupante da política contemporânea. A Internet é um espaço onde o nacionalismo e o autoritarismo são comunicados, experienciados, contestados e confrontados. Ao teorizar criticamente sobre os nacionalismos e autoritarismos contemporâneos, eu estou interessado em desenvolver e atualizar as abordagens de autores como Karl Marx, Rosa Luxemburgo, Eric Hobsbawm, Franz Neumann, C.L.R. James, M.N. Roy, Erich Fromm, Theodor W. Adorno, Max Horkheimer, Herbert Marcuse, Wilhelm Reich, Klaus Theweleit e outros. A História nos diz que o nacionalismo e o autoritarismo não são pacíficos, mas geralmente resultam em guerras. E esse é o verdadeiro perigo dos novos nacionalismos. Eles têm potenciais fascistas. Mais uma vez, como diz Rosa Luxemburgo, estamos na encruzilhada da “transição para o socialismo ou da regressão à barbárie”. As lutas sociais pelo socialismo democrático são o único antídoto ao nacionalismo, ao autoritarismo e ao fascismo.