Sean Cubitt é professor de Cinema da University of Melbourne, Austrália, e trabalhou nos últimos anos na Goldsmiths, University of London. Pesquisa filosofia da mídia, estética, tecnologias e meio ambiente. É autor de livros como The Cinema Effect, Digital Aesthetics e The practice of light : a genealogy of visual technologies from prints to pixels . É também coautor e organizador de obras sobre ecomídia e ecocinema.
Em 2017, publicou o livro Finite Media: Environmental Implications of Digital Technologies sobre os custos ambientais e ecológicos das tecnologias digitais, como celulares, computadores e outros dispositivos, enfatizando as suas materialidades e o contexto capitalista, a partir da defesa da comunicação ecológica como política e mediação. No mês passado, lançou sua mais nova obra, Anecdotal Evidence: Ecocritiqe from Hollywood to the Mass Image, colocando em interface estudos de cinema, estudos culturais e ecocrítica considerando o contexto de crise financeira global.
Em entrevista à DigiLabour, Cubitt chama a atenção para os custos ambientais das tecnologias digitais e a importância do trabalho nesse contexto.
DIGILABOUR: Como reconectar a pesquisa em comunicação às materialidades midiáticas e às mídias finitas?
SEAN CUBITT: Os estudos de comunicação há muito tempo reconhecem a materialidade de certos aspectos das mídias, principalmente as questões de trabalho, indústrias e sistemas corporativos. Um bom exemplo é o texto de Curtin e Vanderhoeff sobre as cadeias de produção da indústria de efeitos visuais, que apresenta uma boa pesquisa sobre como escrever até 2015 quando foi publicado. Há uma parte explicando como as mídias são feitas, como operam e do que são feitas. Baseia-se em algumas observações simples: 1) a grande maioria das mídias modernas, desde 1920, depende da eletricidade, que requer geradores, que necessitam de energia na forma de combustíveis fósseis, nuclear ou a base de água (e mesmo no caso de combustíveis “renováveis”, isso exige minerais raros que precisam ser extraídos); 2) a infraestrutura da maquinaria de produção, distribuição e consumo é composta por milhões de toneladas de plásticos, metais e vidros. Todos eles exigem manufatura, geralmente usando vários processos químicos e eletromecânicos, além de transporte de subcomponentes em cadeias de produção complexas em todo o mundo; 3) o ciclo de inovação requer e, às vezes, exige que os consumidores substituam os equipamentos desatualizados – o equipamento antigo deve ser reciclado, mas geralmente é apenas descartado. Todo o ciclo de vida do produto na área de infraestrutura e dispositivos é um usuário intensivo de energia e materiais – incluindo os requisitos energéticos de transmissão, processamento e armazenamento – e são componentes significativos da poluição global e das emissões de carbono. Em muitos casos, esses fatores são visíveis na estética do conteúdo midiático, uma área explorada em meu livro mais recente, Anectodal Evidence.
DIGILABOUR: Qual é o papel dos custos das infraestruturas para as mídias digitais?
CUBITT: Falar em “custos” sugere uma perspectiva econômica em relação à infraestrutura, que é muito importante, mas há também custos ambientais no lançamento de satélites, na instalação de cabos nos oceanos e por terra, e o fornecimento de “nuvens” e outras formas de armazenamento remoto. Sabemos pouco sobre os efeitos dos detritos espaciais na atmosfera ou dos cabos em decomposição nas imensas pressões do fundo do mar. Ambas as zonas são controladas por sistemas legais extra governamentais com, consequentemente, pouco efeito sobre seus proprietários nacionais e corporativos. Simplesmente nós não sabemos quais são os custos ambientais, principalmente porque os custos ambientais são tratados como externalidades, ou seja, serviços prestados em grande parte pelo meio ambiente que não aparecem nas contabilidades financeiras dos proprietários. Mesmo a expressão “serviços ambientais” é um modo de reduzir a ecologia a um item de contabilidade, uma posição fundamentalmente desonesta ou “ideológica”.
DIGILABOUR: Você destaca o papel do “material” em um contexto em que muitos teóricos que falam apenas do “imaterial”. Qual o papel do trabalho em sua pesquisa?
CUBITT: Os mesmos teóricos que discutem a imaterialidade do trabalho estão frequentemente abertos aos argumentos (associados a Latour, entre outros) de que o trabalho não é, de modo algum, uma atividade exclusivamente humana. O termo “imaterial” tende a descrever trabalhos que envolvem a manipulação de símbolos. Esse trabalho é cada vez mais realizado pelas mídias digitais, como no caso de negociações algorítmicas em bolsas de valores, mas também no uso de inteligência artificial para captura e processamento de dados em mídias sociais e serviços de assinaturas. A distinção é legítima quando distingue o trabalho físico do trabalho mental, por exemplo, em call centers, e é usada para indicar mudanças na organização do trabalho, no disciplinamento e na vigilância em ambientes digitais. O elo que a “ecocrítica” torna aparente aqui é que a ecologia também fornece “trabalho” na forma de substratos muito materiais de energia e outros materiais e que a exploração do trabalho não cessa quando o trabalhador morre. A partir da tese de Marx de “trabalho morto”, podemos ver que as ideias e técnicas das gerações anteriores estão concretizadas em tecnologias que formam o ambiente cada vez mais importante do trabalho dos agentes humanos. Esse ambiente ancestral constitui materialização e exploração contínuas do trabalho, mesmo após a morte. As descrições de nossa situação atual como uma economia da informação, cognitiva ou imaterial enfatizam demais apenas o elemento humano do trabalho, com exclusão de colaboradores ecológicos e tecnológicos nos processos de trabalho. O materialismo ecocrítico insiste em que os seres humanos não podem ser libertados sem também liberar tecnologias e ecologias do mesmo sistema que explora os trabalhadores vivos.
DIGILABOUR: Você afirma que “a acumulação contemporânea faz continuar o colonialismo no Sul Global (exocolonialismo)”. Como você relaciona isso com as mídias finitas?
CUBITT: A conexão mais óbvia entre a externalização econômica do mundo natural e o Sul Global é que a população humana do Sul é igualmente externalizada: os corpos dos pobres podem ser explorados sem remuneração (ou com muito pouco) e os resíduos (incluindo tecno-resíduos enviados para Gana e outras regiões indefesas) podem ser despejados na forma de microplásticos, metais tóxicos e outros detritos perigosos nos corpos dos pobres e nos ambientes dos quais eles dependem para a alimentação. A grande maioria das indústrias extrativistas que são produtoras globais de eletrônicos está em países em desenvolvimento, ou pior, em regiões dilaceradas por guerras sobre o controle de metais, como no Congo, no famoso caso de Coltan (tântalo, um componente essencial nos celulares). Grande parte da chamada “tecnologia verde” discutida hoje exige baterias de lítio (como nos carros elétricos, mas também em todos os notebooks, smart watches, telefones, câmeras…). O lítio vem dos lagos salgados dos Andes. O subproduto da extração é a água salgada, que as empresas jogam no meio ambiente, matando tudo. Os povos indígenas em todo o mundo estão sendo expulsos de suas terras toda vez que um novo depósito de metais valiosos é descoberto. O colonialismo não foi apenas um evento: é uma catástrofe em andamento.
DIGILABOUR: O que significa compreender a comunicação ecológica como política?
CUBITT: A ecocrítica exige repensar a política e a comunicação. Tradicionalmente, pensamos na comunicação como um evento que ocorre entre as pessoas: esse é o modelo matemático de Shannon, e agora o discurso dominante das indústrias da comunicação. Alguns pensadores, de McLuhan a Kittler, Flusser a Gitelman e Vismann, enfatizam a participação das máquinas na comunicação. Devemos agora acrescentar a participação de materiais e energias do mundo natural. A comunicação não é exclusivamente humana: ela está envolvida também por meio de tecnologias e ambientes. Igualmente, a política não pode mais ser entendida como uma atividade exclusivamente humana. Oceanos, fenômenos atmosféricos, geleiras, selvas, montanhas, todos falam conosco, de seus modos, para esclarecer suas demandas, seus requisitos para o que eu considero, a partir de Aristóteles, como uma preocupação da política: como devemos viver uma boa vida. Isso significa que “nós” agora devemos abraçar o mundo não-humano, ou a vontade deles não será mundo, e certamente nenhuma vida boa. Nesta política e na política humana, por muito tempo aceitamos o princípio de que uma minoria tem o direito (ou mesmo a obrigação) de falar em nome de outras pessoas. Não posso falar em nome dos povos indígenas. Nem posso falar em nome da natureza. Devemos reconstruir a política para que as entidades naturais possam falar por si mesmas. Por sua vez, isso requer uma reformulação da comunicação para que possamos entender o que a natureza está nos dizendo. Não apenas traduzi-lo em visualizações de dados para persuadir outros humanos – embora essa seja uma tarefa grande e importante – mas criar as condições para o diálogo. Isso, por sua vez, exige que liberemos tecnologias de sua subserviência, para que possam mediar entre os vivos, humanos ou não. Não podemos simplesmente acrescentar a ecologia à lista de assuntos a se preocupar. Assim como o feminismo e o descolonialismo, a ecocrítica exige que repensemos todos os aspectos de nosso trabalho.