Regulação das plataformas de trabalho: entrevista com Veena Dubal

Veena Dubal é professora de Direito da University of California e pesquisa as relações entre Direito, tecnologia e trabalho precário. Alguns de seus artigos:

 

Confira entrevista de Dubal à DigiLabour:

DIGILABOUR: Hoje quais são os principais desafios para regulação do trabalho em plataformas digitais?

VEENA DUBAL: Os principais desafios não são de ordem legal, mas estão enraizados no poder estrutural e instrumental das principais plataformas digitais. Empresas como Uber e Amazon alavancaram seus ativos significativos de forma a impedir a aplicação das leis trabalhistas existentes. Elas fazem de tudo para favorecer seus modelos de negócios exploradores. Grande parte do trabalho realizado por meio de plataformas digitais não é tão diferente para fins regulatórios de outros tipos de trabalho realizados na economia de serviços. De fato, as plataformas poderiam potencialmente dar aos reguladores acesso a segmentos da economia de serviços que têm ficado cada vez mais informais. Mas, em vez de usar tecnologias digitais para reduzir o mercado de trabalho informal, as plataformas de trabalho escolheram a arbitragem regulatória, escondendo-se atrás da fachada da tecnologia para afirmar que o trabalho nas plataformas é, de alguma maneira, novo ou inovador e não deve ser regulamentado da maneira tradicional.

 

 

DIGILABOUR: Você tem analisado em sua pesquisa atual os sentidos da lei para os trabalhadores precários. Como isso tem se dado?

DUBAL: A visão predominante nos Estados Unidos é a de que a maioria dos trabalhadores da gig economy quer ser autônomo/independente porque deseja a flexibilidade associada a esse status legal. Eu tenho feito pesquisa etnográfica por anos com motoristas da Uber e da Lyft em San Francisco, e minhas descobertas são muito diferentes. Acho que, para fins de políticas públicas, as próprias palavras – empregado ou prestador de serviços independente – são uma falácia. Os trabalhadores têm medo de que, se forem considerados “empregados”, as empresas serão ainda mais exploradoras do que já são. Alguns também apreciam o capital cultural associado a ser alguém “independente”. Especialmente em uma força de trabalho sindicalizada com trabalhadores atomizados, ser um “pequeno empresário” oferece um pouco de dignidade a muitas pessoas. Mas, independentemente do que eles possam querer ser chamados, os trabalhadores precários desejam os benefícios que as leis trabalhistas pretendem proporcionar – os direitos a um piso salarial, a negociação coletiva, o seguro-desemprego. Para os formuladores de políticas, esse deve ser o ponto a ser considerado.

DIGILABOUR: Como você tem analisado os movimentos que têm acontecido para enfrentar o atual cenário do trabalho digital, especialmente no campo jurídico?

DUBAL: Os movimentos trabalhistas no mundo digital que me inspiram são de natureza internacionalista. A greve global massiva contra a Uber no dia 8 de maio foi uma delas. Isso refletiu as conexões feitas pelas organizações de base dos motoristas em diferentes continentes. O fato de que esses trabalhadores de aplicativos atomizados foram capazes de coordenar uma ação global direta contra uma multinacional gigante foi incrível e sem precedentes. Acho que isso nunca aconteceu antes. Também fiquei muito impressionada com a Tech Workers’ Coalition nos EUA. Voluntários coordenaram o Google Walkout, que também foi global. Além disso, eles fizeram um trabalho incrível ao ajudar os trabalhadores de tecnologia de “colarinho branco” a perceberem que, se criarem solidariedade uns com os outros e com trabalhadores da área de tecnologia de maneira mais ampla (incluindo os precários), eles terão uma quantidade tremenda de poder. E esses voluntários da Tech Workers’ Coalition visam não apenas reduzir as práticas trabalhistas exploradoras, mas também usar seu poder para conter manifestações perigosas do capitalismo de vigilância. Esta, na minha opinião, é provavelmente a organização mais importante atualmente. Notavelmente, esses dois grupos – os motoristas do Uber e os trabalhadores da tecnologia – conseguiram crescer e se mobilizar, apesar das limitações que a legislação trabalhista dos Estados Unidos impõe sobre suas atividades.

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