MP 927: pesquisadores e representantes do mundo do trabalho repudiam medida do governo Bolsonaro

Após o anúncio da Medida Provisória 927/2020 pelo Governo Bolsonaro, conversamos com pesquisadores e representantes do mundo do trabalho.

 

“A medida tomada por esse governo é um acinte à classe trabalhadora, que é a esmagadora maioria desse país. É uma brutalidade e um escárnio. É uma resposta imediata de um governo gendarme que não faz outra coisa senão atender os interesses do empresariado. Essa medida, pela violência que ela estampa, vem mascarada de vários outros elementos. Ela pode ser acordada pelo trabalhador individualmente junto ao seu empregador. Isso é acintoso. E é uma regra elementar do mundo do nosso tempo. Desde a Revolução Industrial, não há uma relação de igualdade entre trabalhador e empresário. Qual o trabalhador tem condições de dizer para o empresário ‘isso eu não aceito’? Na medida em que abre a negociação individual, empresário nenhum vai chamar sindicato, ainda mais quando sindicatos porventura forem combativos. Segundo, como é possível falar neste momento em qualificação da força de trabalho em uma pandemia? Em uma pandemia que ameaça ser devastadora em um país onde o serviço público de saúde foi profundamente atingido, pelo menos desde a década de 1990, mas que foi devastada desde a PEC do governo Temer que reduz a cada ano os recursos para saúde. Uma pandemia onde se está indicando e, provavelmente, em breve determinando que as pessoas fiquem em suas casas em isolamento social, como que eu vou me qualificar? É acintoso. Não é possível recorrer à similitude de um artigo da CLT que permite esta condição excepcional em momentos de crise econômica. Nós não estamos em um momento só de crise econômica. Nós estamos em um momento de profunda crise econômica e uma devastadora pandemia que afeta a saúde da população mundial e, por consequência, da população brasileira. Estamos vivendo o início do inferno dantesco. Os trabalhadores não vão poder se qualificar, não têm poder de negociação, não vão receber salários. O serviço público também está completamente vilipendiado e em processo de retração do trabalho. Evidentemente que funcionários públicos e funcionárias públicas não podem atender a população no ritmo que atendia anteriormente dado o risco de contaminação. Então, é brutal, é dantesco. Esse governo Guedes-Bolsonaro é um misto de farsa e de tragédia, que se abate em cima da classe trabalhadora. A única medida provisória que seria aceitável nesse momento no que diz respeito a esse ponto é simples: proibição de demissão em qualquer situação dada à pandemia que estamos vivendo. Então, é preciso denunciar mais esse vilipêndio que vai aumentar ainda mais o sofrimento, a indigência e a miséria da classe trabalhadora. É inaceitável. E o congresso deve imediatamente impedi-lo. E tem mais: panelaço, agora de massa, contra o governo destrutivo e gendarme de Bolsonaro. A respeito da revisão operada por Bolsonaro ontem no meio da tarde tirando o ponto mais nefasto da Medida Provisória, eu digo três coisas. Primeiro, é fundamental que isso seja publicado no Diário Oficial. Segundo, a medida provisória original tal como ela foi editada domingo à noite revela o verdadeiro sentido destrutivo do governo Bolsonaro em relação à classe trabalhadora. É devastação e barbárie. Não tem outro adjetivo. Tragédia. Em terceiro lugar, sabe-se que Bolsonaro, na interioridade do seu ser, é uma figura absolutamente desequilibrada e que se mantém porque tem uma coerência fascista em alguns dos seus traços. Uma hora ele diz uma coisa, e outra hora ele diz outra. E, assim, empurra para frente o seu governo. Enquanto isso, ele consegue levar parte daquele núcleo duro que compõe o seu apoio, que entra em regozijo com cada cambalhota do seu líder messiânico. O vital é compreender que não é possível esperar nada desse governo que sinalize alguma dimensão de solidariedade em relação às classes trabalhadoras”

(Ricardo Antunes, professor de Sociologia da Unicamp)

 

“As últimas medidas informadas pelo governo incluindo a medida provisória trabalhista demonstram que há uma doutrina do choque sendo aplicada, como Naomi Klein já dizia em seu livro. Em momentos de choque é mais fácil impor medidas neoliberais e transferência de renda dos pobres para os ricos e o que está acontecendo é a maior transferência de renda de pobres para os ricos na história brasileira. A medida provisória é simplesmente uma transcrição do ideário neoliberal para o mundo do trabalho, ou seja, todo poder ao empregador. As negociações individuais nós sabemos que não existem no Direito do Trabalho justamente porque não há plena autonomia da vontade de fato dos trabalhadores e esse é um pilar da própria MP. Foi noticiado ontem à tarde que o governo voltaria atrás na suspensão do contrato de trabalho, ou pelo menos da forma como foi dito “sem remuneração”. Esse é um dos pontos mais graves, com certeza, mas, mesmo sendo modificado, não retira o caráter de transferência de renda para os ricos em posição dos pilares neoliberais em relação ao trabalho. Um deles é a iniciativa individual de modificação das condições de trabalho. Há também outros pontos graves dentro da MP como a validação de atos feitos pelo empregador, diminuição do poder sindical, desautorização dos sindicatos e da convenção coletiva. Junto a isso tudo, há todas as medidas anunciadas de transferência de renda para os ricos, para os bancos, aumentar a liquidez dos bancos e um empréstimo do BNDS em que foi anunciado 50 bilhões para grandes empresas e só 5 bilhões para as pequenas, demonstrando esse caráter de renda para os ricos, pois sabemos que a maior parte dos empregos no Brasil está nas pequenas e médias empresas e não nas grandes empresas. Os maiores empregadores totais são os pequenos e serão mais afetados pela paralisia temporária da vida comum. Então, essas são as preocupações mais imediatas e vai na contramão de outros países que estão dando incentivo direto aos trabalhadores, pagando os salários. Como deve ser nesse momento de crise? Estamos num momento de crise que é uma das grandes crises do capitalismo E tem que ser enfrentada como foi, por exemplo, na década de 1930, que somente decolou depois que muitas medidas de proteção dos trabalhadores, que foram realizadas duas décadas depois da crise de 1929. Então, temos que ser rápidos e essa é a primeira preocupação. A segunda preocupação é o rumo. Imagine que agora tenhamos um aprofundamento de um neoliberalismo nesse momento, o que vai gerar uma maior crise e uma impossibilidade de tratar dos problemas próximos que virão. E o que eu penso no momento: estamos indo na contramão do mundo e no rumo da destruição do Direito do Trabalho. Esse é um grande um perigo, além do qual a grande recessão que nos aproxima dessas medidas, ou seja, isso só vai piorar a condição no Brasil”.

(Rodrigo Carelli, professor de Direito do Trabalho da UFRJ e procurador do Ministério Público do Trabalho/RJ)

 

“A MP 927/2020 é um bom negócio para os empresários e um péssimo negócio para os trabalhadores porque quebra os direitos constitucionais da Convenção Coletiva de Trabalho e não lhes dá nenhuma segurança financeira, nenhum retorno que garanta o mínimo necessário para que ele viva com a sua família nesse período de crise da pandemia. Então os trabalhadores terão cortados os seus direitos de negociação de reconhecimento dos seus vínculos contratuais da CLT porque não se garante um salário, número de horas e como isso será negociado. Também corta direitos com relação à saúde e a organização da saúde no trabalho. Do ponto de vista da crise mais geral, da pandemia essas medidas não vêm para socorrer os trabalhadores. É um socorro somente aos empresários. Num longo período, é um problema ao empresário porque ele não tem como disponibilizar seus produtos não há compra e são os trabalhadores que compram. Mas isso não é o principal. Na verdade, essa medida vem pra testar a sociedade num momento em que estamos todos numa situação de defesa, de isolamento social, então, não temos como dar respostas à altura a mais esse golpe que o ministro Guedes traz à mesa do Presidente Bolsonaro. É um golpe porque ele ensaia medidas que não conseguiu instituir até então. E essas medidas duras que acabam de vez com os direitos e com as relações reguladas entre capital e trabalho. Se nós olharmos essa medida, ela institui relações tais quais as empresas de plataforma como Uber, como empresários de si próprios sem direito e sem reconhecimento. A medida que o presidente Bolsonaro tomou agora foi maquiar uma solução para o empresariado e jogar o trabalhador na cova do trabalho informal, na cova do absoluto abandono à sua própria sorte. O SUS está sem verba, os servidores da saúde com seus salários achatados numa situação de pandemia que o próprio trabalhador não tem condições de custear a alimentação da sua família. É uma situação desesperadora e nós precisamos responder à altura.”

(Roseli Fígaro, professora da Escola de Comunicações e Artes da USP e coordenadora do Centro de Pesquisa em Comunicação e Trabalho).

 

“No mesmo dia em que o BC injetou cerca de 1 trilhão de Reais de liquidez para ajudar bancos (os recordistas de lucros nas últimas décadas), veio a público a Medida Provisória n. 927 (inspirada numa proposta apresentada pela CNI) que atingirá milhões de trabalhadores da iniciativa privada, deixando-os desprotegidos e vulneráveis neste contexto de pandemia. O texto foi inspirado num documento da Confederação Nacional da Indústria e foi discutido com empresários bolsonaristas. Nenhum trabalhador ou seus representantes sindicais foram consultados. No texto, por exemplo, permite-se a suspensão do contrato de trabalho por até 4 meses, a critério do empregador. Além disso, elimina-se a negociação coletiva e a participação dos sindicatos e abre a possibilidade de não cumprimento da legislação trabalhista vigente. No meio da tarde de segunda-feira, após pressão de vários setores, Bolsonaro disse que irá retirar da MP o artigo que suspende os contratos de trabalho. Estava preocupado que o Congresso barrasse a MP de conjunto. Isso não significa que ele tenha desistido da ideia. Assim, é necessário o máximo de alerta. Aproveitam-se da crise mundial causada pela pandemia do COVID-19 para criar novas regulações do trabalho, ainda que sejam anunciadas como temporárias (tempo do Estado de Calamidade Pública). Ao contrário do que têm feito os países centrais (Inglaterra, França, Alemanha e mesmo EUA), que aprovaram medidas que garantem uma renda aos trabalhadores, o governo de Bolsonaro se aproveita para impor suas reformas neoliberais (que vinham tendo resistência progressiva da população antes de explodir a crise atual), atacando a população mais pobre e desprotegida neste momento. Sem uma garantia de renda, decreta-se a sua morte. Não surpreende esta e outras medidas que virão, pois já conhecíamos não só a postura do Presidente frente ao vírus como o fato do Ministro da Economia, um velho Chicago Boy, ter sido apoiador de um regime que no Chile priorizou a ‘economia’ ao invés da vida e produziu uma catástrofe social”

(Ricardo Festi, professor de Sociologia da UnB)

 

“A MP 927 denuncia a visão que se tem da saúde dos trabalhadores, tratando as medidas de prevenção como exigências administrativas e, infelizmente, esta é visão hegemônica nas empresas que, num contexto como este, de uma grave pandemia, só aprofunda as situações de risco. Se houvesse uma preocupação efetiva deste governo, com a vida e a saúde das pessoas, ele suspenderia as atividades de todos os setores que não têm relação com as atividades essenciais para o enfrentamento da pandemia. A suspensão dos exames médicos periódicos visam tão-somente e mais uma vez eximir os empregadores de qualquer responsabilidade pelos danos à saúde causados pelo trabalho, num contexto em que sabidamente estão sendo negligenciadas as medidas de proteção, até mesmo nos setores que estão na linha de frente nesta guerra que está sendo travada contra o vírus. A falta de materiais básicos como luvas, máscaras e álcool gel nos hospitais tem sido denunciada por sindicatos. Nos supermercados e demais áreas do comércio que estão abertas, os trabalhadores estão sem qualquer proteção e se tomam iniciativa de se proteger por conta própria, estão sendo repreendidos. Além dos exames, que neste contexto ajudariam na identificação de casos e nas medidas de contenção, a medida suspende os treinamentos, quando a informação é uma ferramenta básica para o entendimento dos riscos, em particular neste contexto de pandemia. Ou seja, fragiliza ainda mais as ações de prevenção e de proteção da saúde. Coerente com a visão de saúde e com o objetivo de proteger as empresas, a MP libera os exames demissionais porque, via regra, os atestados emitidos omitem o adoecimento causado pelo trabalho e qualquer responsabilidade da empresa pela saúde do empregado demitido. Também é preocupante o não reconhecimento do adoecimento pelo coronavírus como doença do trabalho, porque os locais de trabalho são um espaço potencial de contágio, o que caracterizaria sim, a meu ver, acidente de trabalho, sobretudo nos setores maciçamente expostos ao risco. Ademais os trabalhadores não estão indo trabalhar neste momento por escolha, mas por imposição e uma imposição que os expõem a riscos. Este para mim é o principal nexo com o trabalho. Esta MP deveria ser totalmente revogada. O direito à saúde é um direito humano. É um direito soberano. Deveria estar acima dos interesses econômicos, principalmente neste momento que está em jogo a vida das pessoas”

(Claudia Rejane, psicóloga e assessora sindical no tema da saúde do trabalhador)

 

“A medida provisória 927 se insere no estado de calamidade pública. Reconhecido pelo decreto legislativo nº 6 de 20 de março de 2020, esse estado de calamidade pública decorre da pandemia mundial do COVID 19. Através do estado de calamidade pública se permite que o Brasil possa relevar aspectos da lei de responsabilidade fiscal, permitindo uso mais flexível do orçamento e diversas verbas públicas para fins de combater a pandemia. A medida estabelece um Direito do Trabalho temporário para essas regras durante o estado de calamidade pública, ou seja, o benefício das regras apenas vale durante esse período. A primeira regra que é estabelecida é a equiparação para fins trabalhistas do estado de calamidade pública ao conceito de força maior já existente na CLT no seu artigo 503. É uma norma antiga que permite, inclusive, a redução de jornada de salário independente da participação sindical. Pretendemos, então, analisar as duas piores modificações feitas pela MP 927. A primeira é a chamada suspensão sem salário. Inclusive a medida provisória é clara ao dizer que qualquer ajuda compensatória a ser dada pelo empregador é meramente facultativa. A regra geral trazida por essa Medida Provisória é a regra geral da prevalência do contrato individual de trabalho, ou seja, durante esse período, o empregador e o empregado, em acordo individual, estabelecem as normas válidas para a relação de trabalho em vários. A segunda medida abusiva é que, durante esse período de calamidade, a suspensão de algumas obrigações em saúde e segurança do trabalho, com destaque para a suspensão dos exames médicos e do treinamento dos funcionários. Tais situações nitidamente não podem substituições, inclusive negam a própria legislação que declara o estado de pandemia. Estamos em um momento em que é necessário favorecer a saúde. As pessoas estão muito vulneráveis, não só em relação ao coronavírus, mas outras doenças, como a gripe. Enfim, o momento é de total valorização da saúde. Suspender os exames médicos é colocar o trabalhador numa situação ainda maior de risco”.

(Patrick Maia Merísio, procurador do Ministério Público do Trabalho, coordenador do GT de Nanotecnologia)

 

“É evidente que todas as medidas que estão sendo elaborados tem que dar conta, sem dúvida nenhuma, desse momento ‘de exceção’, mas também pensar na possibilidade da retomada da vida e da economia no contexto futuro. É interessante olhar o documento que foi feito pelo documento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), pois veremos que muitas dessas demandas estão, de uma forma ou de outra, presentes na MP 927. Nesse documento, há uma demanda de redução de jornada e de salários de 50% e que as empresas possam definir de maneira unilateral. Há propostas de redução de exigências de teletrabalho, da forma como as empresas desejam, além de decisões unilaterais sobre horário de trabalho e férias. É urgente a necessidade de pensar, de fato, regras que possam garantir a manutenção de uma vida digna para os trabalhadores do mercado formal, do mercado informal e do que chamamos de falsos empreendedores, os trabalhadores via plataformas digitais, como entregadores e condutores. Sabemos que esses trabalhadores estão expostos a um risco enorme de contrair o coronavírus. E nada tem sido feito”.

(Ana Claudia Moreira Cardoso, professora de Sociologia da UFJF)

 

“O que é um vírus? Uma carga genética recoberta por uma membrana. É um material morto, somente se reproduz e efetiva seus resultados quando inocula um organismo vivo. O que a pandemia de COVID-19 nos revela é que temos convivido há muito mais tempo com outro vírus: o capital. No capitalismo, o trabalho humano, embora permaneça sendo uma atividade vital à reprodução social, somente tem este resultado efetivado quando é portador de valor e promove a acumulação de valor – ou seja, trabalho morto – num dos polos da sociedade. A MP 927/2020 revela claramente isso: para assegurar o direito à vida pelo trabalho, deve-se antes assegurar os lucros dos empregadores e, acima deles, dos acionistas nas bolsas. Nossa sociedade sobrevive há séculos sendo sugada em suas energias por essa carga viral chamada capital. Só reproduzimos a nós mesmos se, na mesma relação social, reproduzimos o capital. A única medida contra isso é darmos um BASTA.

(Geraldo Augusto Pinto, professor de Tecnologia e Trabalho da UTFPR)

 

“Nós do Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS) gostaríamos de nos somar ao coro de tantos outros coletivos, movimentos sociais e pesquisadores com o fim de repudiar, denunciar e enfrentar as medidas absurdas e irresponsáveis do governo federal brasileiro ao publicar a Medida Provisória 927 que, para além da já revogada suspensão do pagamento de salários de seus funcionários e funcionárias por quatro meses, traz tantas outras ações restritivas de direitos das trabalhadoras e trabalhadores. Estamos vivendo um momento sem precedentes de uma crise sanitária, humanitária, econômica e ecológica com a pandemia do novo coronavírus (COVID-19), que evidencia a insustentabilidade de manutenção do modelo de acumulação neoliberal. Precisamos resistir à tendência, mais do que confirmada pelas atuais respostas governamentais, de que a fatura da conta desta profunda crise seja compulsoriamente paga pelas classes trabalhadoras, com redução de jornadas com redução de salários, com cortes salariais de servidores públicos, com demissões em massa e a situação ainda mais fragilizada das e dos trabalhadores precarizados e domésticos. O isolamento social precisa ser para todas e todos que não exercem serviços essenciais, inclusive e principalmente às pessoas trabalhadoras em condições mais precarizadas. Isso significa que os investimentos estatais precisam estar destinados à garantia de reprodução digna da vida a todas essas pessoas e não o seu contrário, tornando-as ainda mais vulneráveis enquanto são garantidos volumosos valores e empréstimos ao capital financeiro. Este é um governo de morte e precisamos dar um basta!”

(Carla Benitez Martins, Secretária Geral do Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais – IPDMS)

 

“Juntamente com a professora Ana Claudia Moreira Cardoso, pesquisadora na mesma instituição, desenvolvi pesquisa sobre os argumentos em ações judiciais a respeito das plataformas digitais sob demanda, no Brasil e no mundo. Centralmente, duas questões surgiram nos debates jurídicos: existe ali uma relação de emprego? Qual a proteção que esses trabalhadores devem fazer jus? Independentemente dos caminhos encontrados por cada país, essas ações têm denunciado a questão da fuga da regulação pelas plataformas como sendo de política pública, uma vez que toda a sociedade tem sido atingida com o desrespeito à legislação trabalhista e a transferência de riscos para o trabalhador e para a comunidade. Essa denúncia se aplica ao contexto da disseminação do coronavírus.  Nas ações do MPT, que já vinham sendo propostas no Brasil, são afirmadas jornadas sem limitações, locais inapropriados para descanso, refeição e higiene, ausência de mapeamento de riscos à saúde, dentre outras ilegalidades que, neste momento, mostram-se ainda mais danosas a esses trabalhadores e à toda sociedade. Os entregadores por aplicativos estão no front dos serviços para aqueles que se encontram isolados. O seu serviço é essencial para a atividade das plataformas. O discurso de uma economia de compartilhamento, constituído por prestações laborais eventuais não controladas pelas plataformas, que já vinha sendo desconstruído, agora cai por terra.  Quando se envereda pelo caminho de promover a informalidade por meio da expansão de uma economia desprotegida, retira-se do trabalhador a cidadania e da sociedade a coesão.  A MP trabalhista editada hoje, além dos vários problemas que têm sido apontados pelos atores sociais no sentido de não ser capaz de fazer frente à real necessidade de proteção social, esquece que o tecido social brasileiro, tão frágil e desigual, é composto por esses trabalhadores.  Cabe aos governos, conforme o princípio da primazia da realidade, reconhecer esses fatos e proceder a uma nova orientação política do mercado de trabalho, com primado dos direitos fundamentais e humanos. Segurança jurídica deve significar, portanto, não apenas previsibilidade para o mercado, mas, sim segurança para todos”

(Karen Artur, professora de Direito do Trabalho da UFJF)

 

“O primeiro aspecto que chama a atenção é a opção do governo brasileiro em desproteger o trabalho para enfrentar a crise. A MP revela que a principal resposta do governo brasileiro à grave crise, no emprego e na renda dos trabalhadores é de mais desproteção, mais desregulamentação do trabalho e mais flexibilidade. O Governo oferece, pela MP, um cardápio de opções às empresas para reduzir o custo do trabalho e flexibilizar o contrato no período de calamidade pública. As empresas podem reduzir em até 25% o salário por motivo de força maior. O segundo aspecto importante é o caráter autoritário da MP 927. Ao fixar a regra geral do acordo geral sobre a CLT, o governo libera para alterarem as condições de trabalho bloqueando as convenções coletivas e os sindicatos. Com isso fica esvaziada a CLT e o poder que restava aos sindicatos para colaborar na construção de alternativas para a saída da crise. Além disso a MP cria várias hipóteses em que a empresa pode impor unilateralmente alterações nas condições de trabalho, como o teletrabalho que pode ser imposto pela empresa. Na minha opinião, do ponto de vista jurídico, a MP viola a Constituição. A Constituição não permite, por exemplo, a redução de salário sem a convenção coletiva. Em suma, o sentido geral da MP, afora a eloquente omissão em garantias do emprego, transfere para o trabalhador o custo da crise por meio de uma nova reforma trabalhista em forma de força e exceção”

(Sidnei Machado, professor de Direito do Trabalho da UFPR)

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