Jamie Woodcock é editor da revista Notes from Below, autor dos livros Marx at the Arcade: consoles, controllers and class struggle e Working the Phones. Lançará no início de 2020, junto com Mark Graham, o livro Gig Economy: a critical introduction. Woodcock conversou com a gente sobre trabalho na área de games, gamificação e trabalho e organização de trabalhadores da gig economy.
DIGILABOUR: Como entender a gamificação no mundo do trabalho?
JAMIE WOODCOCK: Eu entendo gamificação como a aplicação de aspectos dos games para coisas que não são games. E isso pode ser muito atraente. Como escrevi com meu colega Mark R. Johnson, a gamificação é frequentemente aplicada de maneira acrítica no trabalho. O resultado é que os trabalhadores experimentam a gamificação como intensificação e exploração do trabalho. Um exemplo é o cenário que descrevi sobre os call centers em Working the Phones. No entanto, não é possível explicar a gamificação observando-a somente desta maneira. Esses tipos de gamificação podem ser concebidos como algo vindo de “cima”, envolvendo os imperativos da área de administração e do capital. Mas os trabalhadores geralmente encontram maneiras de introduzir aspectos de gamificação, seja para tornar o trabalho mais fácil de ser feito, ou também enquanto práticas de resistência. Nós concebemos isso como “gamificação vinda de baixo”, uma forma de recusa ao trabalho – e que deve ser celebrada.
DIGILABOUR: Como você tem observado as resistências e organizações na gig economy?
WOODCOCK: Acabamos de comemorar o aniversário de três anos das greves dos trabalhadores da Deliveroo em Londres. Este momento foi a primeira resistência visível e de confronto na gig economy. Isso desencadeou uma onda de greves dos trabalhadores de plataformas de delivery em toda a Europa, bem como trabalhadores que se juntam a sindicatos novos e alternativos (incluindo IWGB e IWW no Reino Unido). Neste ano, também vimos uma ampla e coordenada ação de greve dos motoristas da Uber. Muitos trabalhadores de plataformas mudaram de empregadores menores para trabalhar em plataformas internacionais (como o Uber, com cerca de 4 milhões de motoristas). Isso está colocando trabalhadores em contato com condições de trabalho que são compartilhadas entre eles. Por exemplo, os trabalhadores de plataformas de delivery agora coordenam toda a Europa com a Transnational Couriers Federation e os motoristas da Uber estão formando redes internacionais. A resistência e a organização até agora mostram algumas características importantes. Em primeiro lugar, não há trabalhadores “inorganizáveis”. Novos tipos de trabalho exigem que os trabalhadores desenvolvam novas táticas e estratégias. Em segundo lugar, esses trabalhadores estão longe de serem isolados. Muitos trabalhadores já têm fortes conexões com comunidades migrantes, bem como se encontram por meio de pontos de encontro nas cidades. Essas redes “invisíveis” de organização são frequentemente coordenadas por meio de WhatsApp e outros meios digitais. A questão principal é para onde essas lutas irão e como os trabalhadores se organizarão. Embora tenha havido uma greve generalizada, as formas que irão sustentar essas lutas a longo prazo são menos claras.
DIGILABOUR: E sobre desenvolvedores de software?
WOODCOCK: Os desenvolvedores de software têm se organizado na Tech Workers Coalition nos Estados Unidos, organizando-se com outros trabalhadores na área de tecnologia, assinando cartas contra projetos militares e, mais recentemente, organizando paralisações. Esse movimento recente envolveu trabalhadores da área de tecnologia pensando sobre o impacto de seu trabalho na sociedade. Em vez de se organizar em torno de seus próprios termos e condições diretamente, isso levou a questões mais amplas sobre o controle no mundo do trabalho. Isso é importante, pois não houve grandes movimentos de trabalhadores de tecnologia anteriormente. Em certo sentido, o salário relativamente alto (embora nem sempre) desses trabalhadores era parte de uma barganha feita no início do setor para impedir a sindicalização e limitar a luta pelo controle no trabalho. É também outro exemplo poderoso de como trabalhadores antes desorganizados podem encontrar novas maneiras de resistir e se organizar. No último ano, apoiei a criação do primeiro sindicato de trabalhadores de videogames no Reino Unido. Como os trabalhadores de tecnologia, há preocupações semelhantes em relação ao trabalho, particularmente em torno da diversidade e da opressão com a indústria. Isso também se combina a uma cultura de longas horas de trabalho, que é uma questão clássica do sindicalismo. Os trabalhadores da indústria de videogames formaram uma rede internacional para sindicalizar sua indústria: Game Workers Unite(GWU). O ramo da GWU da IWGB é o primeiro a se sindicalizar a partir desse movimento. Eles mostraram mais uma vez que os trabalhadores podem encontrar novas maneiras de se organizar, utilizando as melhores tradições do movimento trabalhista enquanto também experimentam novas idéias. Como parte de uma investigação em andamento, documentei algumas dessas experiências no livro Marx at the Arcade. Também organizamos um game jam sobre o tema da organização, usando os videogames como um meio para explorar novas formas de organização no trabalho.