Início » Coronavírus e mundo do trabalho: indicações de leitura Referências Coronavírus e mundo do trabalho: indicações de leitura O que tem sido produzido sobre os impactos da pandemia de coronavírus no mundo do trabalho? Na última semana, muito foi falado sobre quarentena, home office, educação à distância, decisões governamentais e impactos na economia. Mas há trabalhadores nas mais diversas situações: informais que não sabem se conseguirão sobreviver, entregadores de delivery que estão trabalhando mais e se expondo aos ricos, trabalhadores de call centers e supermercados sob forte pressão, trabalhadores CLT com medo de perder seus empregos, entre outras situações. Tudo isso mexe de forma brutal com o bolso, as subjetividades, a saúde mental… Indicamos e comentamos artigos e notícias que saíram nas últimas semanas a partir dos seguintes eixos: empregas de aplicativos, trabalhadores, regulação e proteção, economia, privacidade e vigilância. EMPRESAS DE APLICATIVOS Como as empresas de plataformas estão se posicionando em relação ao contexto de coronavírus? Uber oferecerá ajuda financeira por até 14 dias para motoristas e entregadores diagnosticados com coronavírus ou de quarentena por recomendação médica. A empresa também suspendeu a modalidade de viagens compartilhadas; 99 pagará pelo menos 300 reais aos trabalhadores afetados pela doença. A remuneração será de acordo com o “rendimento” nos últimos meses. O dinheiro vem de um fundo criado pela DiDi, controladora da 99; iFood anunciou 50 milhões de reais em fundo para pequenos restaurantes e 1 milhão para os trabalhadores afetados; GetNinjas disponibilizou aos trabalhadores da plataforma um relatório sobre o impacto do coronavírus no setor de serviços autônomos. De acordo com a publicação, os pedidos por serviço caíram 23,8% até o dia 18/3 e os setores mais afetados são eventos, área de saúde (mais especificamente cuidadores, psicólogos e nutricionistas) e moda e beleza; Matéria do Nexo contextualiza o trabalho informal no Brasil e sintetiza as decisões das empresas de aplicativo. TRABALHADORES E os trabalhadores, como ficam diante desse cenário? Entregadores em São Paulo que não param de trabalhar em matéria do El País: “como comprar comida no supermercado, fazer pedidos por aplicativos de delivery ou comprar remédios se não houver pessoas por trás trabalhando?” O Deutsche Welle publicou reportagem com motoristas de Uber e trabalhadores domésticos no Rio de Janeiro em contexto de coronavírus. A pesquisadora Marcia Bandini, da Unicamp, defende que o Estado formule “medidas de amparo que podem variar da isenção de contas básicas ao auxílio financeiro efetivo para os setores mais vulneráveis”; Debora Diniz e Gisellle Carino publicam artigo no El País sobre relações entre patroas e empregadas neste contexto: “Empregada e patroa são as alegorias de como uma pandemia se cruza com as fronteiras dos privilégios de gênero, classe e raça“; Por que os motoristas de Uber em NY estão dormindo em seus próprios carros. Matéria da Vice; Coronavírus expõe a ainda mais riscos os trabalhadores da Gig Economy. Matéria da Wired; Carta dos entregadores de plataformas na Itália sobre a situação de trabalho em contexto de coronavírus. Reportagem do Il Manifesto; “Eles precisam ficar em casa para diminuir a infecção por coronavírus, mas não têm uma renda que lhes permita sobreviver“. Propostas de cooperativas de trabalhadores freelancers na Itália por mais seguridade. Outro texto publicado pelo Il Manifesto; O coronavírus pode provocar uma mudança permanente para o home office? Matéria do The Guardian; Beatrice Busi, Alessandro Delfanti – que já esteve na DigiLabour – e Erika Biddle publicaram texto sobre lições radicais a partir dos trabalhadores italianos. As lições são: manter seu empregos, cuidar uns dos outros, mitigar os riscos e auto-organizar-se. Os pesquisadores mostram uma dimensão de classe envolvida no home-office, as pressões do trabalho remoto (como o chefe solicitar trabalho aos fins de semana) e citam um relato de um trabalhador de galpão da Amazon: “Não se preocupe, você ainda receberá sua porra da capa do iPhone da Hello Kitty!“; Dentre as lições trazidas por eles está a organização coletiva de trabalhadores italianos em um momento tão difícil: “os trabalhadores têm imaginado soluções universais baseadas na redistribuição radical de tempo, recursos, dinheiro e poder“; Condições dos trabalhadores da Amazon: “todos nós vamos ficar doentes”. Locais de trabalho lotados, falta de material de limpeza, inexistência de exames e ritmo de trabalho que dificulta o saneamento adequado. “à medida que a pandemia de coronavírus se desenvolve e as comunidades se preparam para o pior, os trabalhadores da Amazon se tornam cruciais para levar às pessoas seus alimentos e sua água”. Matéria do The Verge; O Washington Post também conversou com trabalhadores de galpões da Amazon, que pedem que os galpões expostos ao coronavírus sejam fechados e limpos; E o trabalho dos médicos no combate ao coronavirus? Pesquisa com trabalhadores da área médica na China mostra altos índices de ansiedade; Terceirizados do Google não podem trabalhar de casa e divide os trabalhadores de tecnologia em doentes “dignos” e “indignos”. Coluna de Júlia Wong no The Guardian; Circula na internet brasileira uma planilha colaborativa em que trabalhadores relatam problemas com seus patrões – dos mais variadores setores – em relação às condições de trabalho em contexto de coronavírus. A planilha é intitulada empresas vacilonas coronavirus; “Ou trabalha ou se demite”: esse era o clima em empresas de telemarketing no Brasil. Os trabalhadores paralisaram call centers no país todo exigindo quarentena; Lembra dos moderadores de conteúdo de mídias sociais como Facebook e Twitter? Milhares deles estão indo para quarentena e a moderação das redes está ficando com máquinas. Isso já causou nesta semana um bug no Facebook que retirava publicações legítimas de circulação, vistas como spam. Sarah Roberts afirma que começaremos a ver os traços muitas vezes ocultos do trabalho humano. “Sem o trabalho deles, a internet pode se tornar um lugar menos livre e mais assustador”. Matéria da Wired; Cancelamento de produções em Hollywood afeta trabalhadores, principalmente freelancers. Matéria da Hollywood Reporter; REGULAÇÃO E PROTEÇÃO O Ministério Público do Trabalho publicou diversas notas traçando diretrizes sobre a proteção de trabalhadores em contexto de coravírus. Uma das notas técnicas recomenda a flexibilização de jornada sem redução salarial para que trabalhadores atendam familiares com Covid-19; Outra nota trata especificamente de trabalhadores domésticos recomendando que os empregadores forneçam luvas, máscara e óculos de proteção quando não for possível a dispensa do comparecimento; A Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho (CONAFRET) também publicou uma nota técnica para orientar a ação do MPT em relação às plataformas digitais. Dentre as orientações, estão: “garantir aos profissionais de transporte de mercadorias e de transporte de passageiros, por plataformas digitais, informações e orientações claras a respeito das medidas de controle, bem como condições sanitárias, protetivas, sociais e trabalhistas, para que se reduza, ao máximo, o risco de contaminação pelo coronavírus durante o exercício de suas atividades profissionais”; Outra orientação é “garantir aos trabalhadores no transporte de passageiros e no transporte de mercadorias, por plataformas digitais, que integrem o grupo de alto risco (como maiores de 60 anos, portadores de doenças crônicas, imunocomprometidos e gestantes) assistência financeira para subsistência, a fim de que possam se manter em distanciamento social”; Rodrigo Carelli, professor da UFRJ e procurador do MPT-RJ, publicou o texto “Coronavírus e a regulação do trabalho: a urgência, o risco e a oportunidade” refletindo sobre o cenário brasileiro em relação à (des)proteção dos trabalhadores e os riscos do teletrabalho ser considerado padrão após a crise; Carelli comenta o anúncio do governo federal em relação a auxílio de 200 reais mensais a trabalhadores informais e desempregados ao passo que cortou 158 mil famílias do Bolsa-Família. “Nenhuma medida foi ventilada até agora para que os bancos e as grandes empresas participem do sacrifício. Aparentemente, ao contrário dos outros países, não há grande preocupação nem com os trabalhadores nem com a economia no geral. Como os trabalhadores irão sobreviver com apenas metade do seu salário e outra parte a título de adiantamento de seguro-desemprego, isso parece não ser levado em conta, nem o impacto que isso terá sobre a economia em geral. Os trabalhadores ficarão endividados e reduzirão o consumo já baixo, tanto agora, quanto posteriormente, quando receberão a menor o seguro-desemprego. A medida é de um empréstimo do trabalhador para ele mesmo. A conta está claramente sendo repassada ao trabalhador, mas acabará também resvalando em toda a sociedade”; Apesar desse contexto, Carelli procura entrever, em meio à crise, perspectivas de oportunidade rumo ao trabalho digno e reconhecido – como as diversas atividades de trabalho digital – e à renda básica universal. ECONOMIA David Harvey, em texto na Jacobin chamado “Política anticapitalista em tempos de coronavírus”, nos convida a pensar como 40 anos de neoliberalismo afetaram os sistemas de saúde. E considera que “o progresso do COVID-19 exibe todas as características de uma pandemia de classe, de gênero e de raça“; Harvey também comenta os impactos da pandemia no modelo de consumo capitalista, considerado inoperável, salvo o que ele chama de “economia Netflix”. O pós-pandemia promete trazer mudanças culturais em relação ao consumo; Em outro artigo publicado na Jacobin, Grace Blakeley defende que o aprofundamento da crise do coronavírus é um problema político. Para ela, a crise reformulará a economia e é preciso politizá-la para não repetir os mesmos erros de 2008. “seu impacto econômico e, em particular, a distribuição dos prejuízos e custos, não poderia ser mais político. Se quisermos evitar outra lição sobre o capitalismo de desastre da direita, precisamos entender o provável impacto que essa crise terá em nossa economia e nos preparar adequadamente”; Blakeley critica narrativas de governos de direita no momento – como se estivéssemos “politizando” uma crise de saúde pública e isso fosse ruim. E afirma: “Muitas pessoas – especialmente as das capitais onde o vírus é mais grave – não poderão pagar o aluguel ou as contas com seus salários e auxílios doenças […]. Cada um desses problemas é político. Cada uma dessas questões – de baixos salários, altas dívidas e ausência de poder de fogo monetário – resulta das ações de governos anteriores, e elas só podem ser tratadas por esse governo”; Crise do coronavírus acelera uma “amazon-inificação” da economia. Em artigo no OneZero, Brian Merchant, comenta a contratação de 100 mil pessoas pela Amazon. O impacto sobre a taxa de desemprego é minúscula, mas pode significar uma mudança: “Se restaurantes, bares e lojas locais fecharem permanentemente enquanto monopólios baseados em aplicativos acumulam clientes e empregos, a tendência pode ser muito difícil de reverter à medida que saímos dos destroços. E este não é um futuro que queremos”; A Amazon-inificação, de acordo com Merchant, significa dependência crescente de mão de obra precária e just in time, controle monopolista sobre plataformas e eventualmente menos emprego; A crise do coronavírus pode falir mais gente do que matar. Matéria do The Independent traduzida pelo IHU-Unisinos; Cálculo da OIT prevê 25 milhões de desempregados em decorrência da crise do coronavírus. Matéria da Folha; PRIVACIDADE E VIGILÂNCIA Uso de smartphone para rastrear Covid-19 por China e Coréia do Sul levanta questões de privacidade e coleta de dados pessoais. Matéria da Wired; Uma das questões é que até usuários de máscaras podem ser reconhecidos, como mostra reportagem do MalaysiaKini; O Observatório Privacidade divulgou boletim especial sobre coronavírus, com publicações de autoridades de proteção de dados ao redor do mundo; A edição 75 da newsletter objETHOS, editada por Dairan Paul e Rogério Christofoletti, recomenda o editorial da revista Surveillance & Society sobre as relações entre pandemia e estudos sobre vigilância; No editorial, Martin French e Torin Monahan argumentam que há evidências de vigilância no modo como os corpos tem sido rastreados, previstos e regulados e que há uma visão racializada de culpabilização em relação aos chineses. Editado por Rafael Grohmann com contribuições de Bruno Bortolini, Daniel Abs, Esther Rheinheimer, Évilin Matos, Fabricio Barili, Jessica Glaeser, Julice Salvagni, Leonardo Ferreira, Paula Alves e Rayra Rodrigues. DigiLabour Compartilhar Artigo AnteriorConvenção de associações de motoristas de aplicativos reúne 23 países na Inglaterra Próximo ArtigoMP 927: pesquisadores e representantes do mundo do trabalho repudiam medida do governo Bolsonaro 22 de março de 2020