“As pessoas convivem e se desenvolvem junto com seus dados pessoais”: entrevista com Deborah Lupton

Deborah Luptonprofessora da University of New South Wales, na Austrália, é autora de livros como Digital SociologyThe Quantified Self Fat. No próximo mês de novembro, ela lançará o livro Data Selves: more-than-human perspectives. Nesta nova pesquisa, Lupton investiga as compreensões e os usos de auto-rastreamento pelas pessoas a partir do que uma perspectiva mais do que humana, considerando que as pessoas e os dados aprendem juntos e convivem mutuamente. Confira entrevista exclusiva de Deborah Lupton à DigiLabour:

 

DIGILABOUR: O que significa compreender os data selves em uma perspectiva mais do que humana?

DEBORAH LUPTON: Uma perspectiva mais do que humana reconhece que os humanos sempre fazem parte de relações não humanas. Humanos e não humanos se reúnem em associações que estão constantemente mudando à medida que os humanos se movem por meio de seus mundos. A partir dessa perspectiva, dispositivos digitais e softwares se associam com humanos, e os dados pessoais são gerados a partir dos enactments. Essas associações de dados são mais do que humanas. As pessoas convivem e se desenvolvem junto com seus dados pessoais. Elas aprendem com os dados e os dados aprendem com elas, em um relacionamento que se transforma continuamente.
 

DIGILABOUR: Como o materialismo feminista e a antropologia da cultura material podem nos ajudar a entender a dataficação?

LUPTON: Em trabalhos anteriores, havia sugerido que os dispositivos digitais podem ser considerados vivos, assim como os dados digitais. Com base nessa perspectiva, eu uso o novo materialismo feminista e a antropologia da cultura material para investigar questões de dataficação e vigilância de dados. As pesquisadoras do novo materialismo feminista que eu cito no livro são Donna Haraway, Rosi Braidotti, Jane Bennett e Karen Barad. Elas compartilham um interesse pelas forças afetivas, pela vitalidade e pela natureza distribuída das agências, à medida que elas são geradas com e por meio de agenciamentos mais do que humanos. Os pesquisadores da antropologia da cultura material, como Tim Ingold e Elizabeth Hallam, também chamam a atenção para as agências ativas de humanos e não humanos quando se reúnem. Eles enfatizam os modos como os humanos reagem, aprendem e dão sentido quando se engajam em encontros corporificados e sensoriais com não humanos. Ingold descreve isso como “estar vivo para o mundo”. Ao desenvolver minha perspectiva teórica em Data Selves, considerei essas visões úteis para pensar sobre o que Barad chama de dimensões “onto-ético-epistemológicas” da dataficação e da vigilância de dados. Essas perspectivas ainda não foram apropriadas suficientemente para pensar sobre dataficação e vigilância de dados. Isso é o que estou buscando. Esse projeto permite uma abordagem ética não normativa para dataficação e vigilância de dados, reconhecendo a natureza constantemente emergente e dinâmica dos data selves vivos, além das dimensões corporificadas, multissensoriais e afetivas de como os humanos convivem e aprendem com seus dados.

DIGILABOUR: No último ano, muitos livros foram publicados em torno de algoritmos, plataformas e dados, como os de ZuboffGillespieBeer e van Dijck. Qual é o diferencial do seu novo livro, em termos teóricos e conceituais?

LUPTON: Meu livro difere de várias maneiras: 1) usando a teoria mais do que humana para analisar a dataficação e a vigilância de dados; 2) ao discutir os achados da minha própria pesquisa empírica sobre o auto-rastreamento, e as compreensões e práticas das pessoas em relação aos seus dados pessoais; 3) ao dar mais ênfase a dimensões multissensoriais das materializações e produções de sentidos dos dados, incluindo como artistas e designers críticos buscam representar dados pessoais ou criticar a dataficação e a vigilância de dados de novas maneiras.

DIGILABOUR: Em Data Selves, você retoma a questão do self quantificado no mundo do trabalho?

LUPTON: Ao contrário de The Quantified Self, em que houve muita discussão sobre o auto- rastreamento, não discuto muito o local de trabalho em Data Selves. O livro novo difere de The Quantified Self ao incluir muita discussão sobre as pesquisas empíricas que conduzi nos últimos anos, que envolvem as pessoas discutindo suas práticas de auto-rastreamento, e seus entendimentos e usos dos dados pessoais. Os participantes da minha pesquisa não falaram muito sobre suas práticas de dados no contexto do trabalho, só algumas referências, por parte de algumas pessoas, ao uso de ferramentas de produtividade. Os auto-rastreadores ativos estavam monitorando predominantemente questões como peso corporal, condicionamento físico, alimentação ou ingestão de calorias, sono e finanças.

DIGILABOUR: Depois de alguns anos desde o seu livro Digital Sociology, como você tem repensado sua própria agenda de pesquisa em relação à área?

LUPTON: Desde que escrevi Digital Sociology, fui me interessando cada vez mais por uma teoria mais do que humana, e também por pesquisas pós-qualitativas, assim como por métodos inovadores de pesquisa social, incluindo experiências com métodos baseados em design e artes.

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