Início » Hackeando a diversidade na área de tecnologia Interviews Hackeando a diversidade na área de tecnologia Christina Dunbar-Hester Autora do livro Hacking Diversity, professora da University of Southern California (USC) Annenberg School for Communication and Journalism A questão da diversidade na área tecnologia permanece ilusória. Embora a indústria de tecnologia tenha se apresentado há muito tempo como uma meritocracia, é muito fácil encontrar padrões nas diferenças em relação a como os trabalhadores são tratados. Por exemplo, aqui nos Estados Unidos, os empregados negros do Google são mais propensos a terem contratos de curto prazo e com menos segurança no emprego do que os empregados em tempo integral. Parte do problema aqui é como a “diversidade” está sendo solicitada a resolver problemas pesados, sem dúvida além do que ela é capaz de fazer. “Diversidade em tecnologia” geralmente significa que indivíduos “diversos” devem ou têm o direito de reivindicar cargos de status mais elevado (e mais bem pagos), levando a ganhos econômicos e melhor representação de uma gama mais ampla de grupos. Mas “diversidade” é conceituada como pertencente a indivíduos, ou o indivíduo como representante de um grupo. Essa concepção sutilmente desvia a atenção das instituições e estruturas que mantêm as desigualdades. Isso se torna mais aparente se nos afastarmos do contexto do Norte Global. Levando em consideração os terceirizados e as cadeias globais de suprimentos, a indústria da tecnologia emprega uma força de trabalho diversificada, mas a questão de quem mantém quais empregos evidencia o problema da diversidade na indústria. Muito trabalho é realizado offshore por trabalhadores racializados, como nas lojas de programadores em Bangalore, o chamado Vale do Silício da Índia (ou seus primos migrantes que trabalham na Alemanha ou nos Estados Unidos com vistos temporários, e status de segunda classe em comparação com os trabalhadores não migrantes), os trabalhadores das minas de lítio na Bolívia, os mineiros de cobalto na República Democrática do Congo, e os processadores de lixo eletrônico em Gana. E grande parte do trabalho global na área de tecnologia é formado pelo chamado “colarinho rosa”, feminilizado e informal: pense nos “dedos ágeis” estereotipados de jovens trabalhadoras na montagem de eletrônicos na China, produzindo produtos Apple para a Foxconn. Portanto, o que os clamores por “diversidade na área de tecnologia” no Norte Global realmente significam é mais empregos de alto status e alta remuneração na indústria para membros de grupos sub representados. E, no entanto, a indústria da tecnologia como um todo está inserida em um sistema de capitalismo racial, que envolve tanto os produtores quanto os consumidores de tecnologia. Depende de práticas extrativas em todos os estágios da cadeia produtiva, e sua capacidade de lucrar muito depende de um sistema que classifica as pessoas em categorias que colocam alguns trabalhadores em posições relativamente boas e outros em posições relativamente piores. As cadeias de suprimentos globais ilustram bem isso – mas também isso ocorre a partir de hierarquias raciais em uma sede do Facebook na América do Norte, que revelará relativamente mais trabalhadores brancos e asiáticos no departamento de engenharia e relativamente mais trabalhadores latinos e negros no departamento de limpeza. Mesmo a categoria de “trabalhador de tecnologia” vale a pena ser questionada. Aos nossos ouvidos, parece um trabalho glamoroso e de alto status, mas indiscutivelmente uma empresa de tecnologia não pode fazer seu trabalho sem mineiros, montadores de eletrônicos e zeladores – o que sublinha como uma fronteira está sendo traçada em torno de quem pode ser incluído em uma designação de alto status. Um processo de classificação dos corpos precede e acompanha esses corpos sendo classificados para atividades de trabalho. Não há nenhuma razão inerente ou biológica para um jovem que “cresce para ser” um trabalhador de cozinha não possa “ser crescido para ser “um engenheiro de software ou vice-versa, mas existem razões sociais e econômicas para isso. As conversas em torno da “diversidade em tecnologia” geralmente envolvem apenas a ponta do iceberg. A indústria de tecnologia não está lidando bem com questões de remuneração e igualdade de status, e muito menos com o racismo estrutural. Portanto, mesmo levando isso a sério, temos bons motivos para suspeitar da sinceridade da indústria da tecnologia ao abordar as questões de diversidade. Além de remuneração, status e segurança no emprego, há uma série de problemas relativos ao racismo estrutural que receberam atenção renovada desde o ano passado, na sequência dos protestos Black Lives Matters. Os críticos se concentraram em como a tecnologia está envolvida no policiamento – especialmente vigilância, reconhecimento facial e policiamento preventivo. Empresas como Amazon foram rapidamente acusadas de hipocrisia, alegando estar ao lado de negros enquanto exploravam desproporcionalmente trabalhadores negros e latinos na pandemia de Covid-19, e mantinham um canal entre a polícia e as tecnologias de vigilância como Ring e Rekognition. Previsivelmente, o tópico “diversidade em tecnologia” permeou muitas dessas conversas, no sentido de oferecer, como solução, “lugares à mesa” aos membros de grupos sub representados em setores de engenharia em empresas de tecnologia. Certamente não estou afirmando que os clamores por “diversidade na área de tecnologia” sejam ruins, é claro. O meu ponto é que, antes de tudo, eles estão incompletos. Se o que as pessoas querem dizer é um trabalho mais justo, mais bem remunerado e mais digno, especialmente para pessoas que historicamente foram impedidas de manter empregos de alto status e bem remunerados, isso aponta para a necessidade de considerar mais estruturas que indivíduos. Um sistema que depende da classificação das pessoas em posições diferenciais com base nos tipos de corpos que elas possuem não pode ser reformado movendo-se mais de um tipo de corpo para uma posição mais elevada. Será que realmente esperamos que a inscrição de pessoas “diversas” na construção de tecnologias de vigilância em grande escala, por exemplo, possa produzir mudanças significativas? Como observei acima, a “diversidade” é apenas a ponta visível do iceberg. O surgimento da massa submersa suscitará debates mais desafiadores e potentes. As hackers feministas têm imaginado outras culturas e artefatos tecnológicos. Elas construíram espaços dirigidos por mulheres e pessoas não brancas onde programam e hackeam projetos que não atendem diretamente às demandas da indústria. Pessoas minorizadas podem não encontrar seus desejos representados nas ofertas do mercado – e os mercados nem sempre cultivam a demanda pelos bens públicos dos quais mais precisamos. Outros em comunidades de tecnologia levantaram questões sobre os laços entre o trabalho em TI e o militarismo. Os trabalhadores da Microsoft se opuseram à construção de um bancos de dados dessa empresa que seria usado pelo Immigration and Customs Enforcement (ICE). E a solidariedade entre as categorias de trabalhadores também não é inédita e possivelmente está crescendo. No ano passado, já na pandemia de Covid-19, os trabalhadores dos galpões da Amazon em greve juntaram-se aos engenheiros da Amazon que ligaram dizendo que estavam doentes. Como a pandemia tem desnudado, nosso mundo se baseia em iniquidades perniciosas e a tecnologia é protagonista nesse cenário. Muitos trabalhadores de tecnologia e entusiastas hackers estão prontos para participar de conversas muito mais ricas – k mas “diversidade” é um enquadramento tímido. O que mudaria se a conversa fosse direcionada à justiça? Muito está em jogo aqui e a “diversidade” oferece muito pouco. DigiLabour Compartilhar Artigo AnteriorInteligência artificial, branquitude e capitalismo: entrevista com Yarden Katz Próximo ArtigoO que podemos aprender com o ludismo no atual contexto tecnológico: entrevista com Gavin Mueller 4 de abril de 2021