Início » O que há de trabalho por trás da desinformação: indicações de leitura Referências O que há de trabalho por trás da desinformação: indicações de leitura O debate sobre desinformação está fervendo dentro e fora do Brasil com inúmeras pesquisas sobre as implicações sobre democracia, jornalismo, comunicação política, o papel das plataformas digitais e os potenciais e limites de projetos de checagem e literacia midiática, entre outros assuntos. Porém, pouca atenção ainda tem sido dada para o papel do trabalho por trás da produção e circulação de desinformação. Ou ainda como se dá a indústria da desinformação. Indicamos algumas leituras: Jonathan Ong tem sido um dos principais pesquisadores nessa área ao pesquisar a indústria da desinformação no Sudeste Asiático, chamando a atenção para evitar perspectivas eurocentradas. Em texto recente, ele mostra as controvérsias em torno do debate sobre regulação da desinformação em plataformas e aponta para o papel de influenciadores, plataformas de fazendas de clique e agências de comunicação: “A indústria de fazendas de clique do Instagram na Indonésia atende a uma clientela global de influenciadores de lifestyle que, mais tarde, foi reaproveitada para campanhas políticas nas eleições de 2019. Nas Filipinas, esse tipo de campanha emergiu das sombras para as salas de diretoria de empresas de publicidade e relações públicas, vendendo seus serviços pelo preço mais alto. Em nossa pesquisa etnográfica com ativistas, influenciadores e operadores de contas falsas nas Filipinas, descobrimos que ninguém trabalha como troll em tempo integral. A maioria manteve empregos diurnos ‘respeitáveis’ em marketing corporativo”. Ong também publicou um importante relatório com Jason Cabanes sobre as arquiteturas em rede da desinformação nas Filipinas, ressaltando o papel do trabalho nesse processo, entre as contas de trolls e a produção de fake news. Na figura abaixo, uma síntese do report. Em 2019, eles publicaram no International Journal of Communication o artigo When disinformation studies meets production studies: Social identities and moral justifications in the political trolling industry Também na Indonésia, Johan Lindquist aborda as plataformas de fazendas de clique na Indonésia e as economias digitais “ilícitas”, ressaltando o papel do trabalho manual e das vendas de seguidores por meio de WhatsApp: “Em primeiro lugar, o trabalho que sustenta a fazenda de cliques não está tão centrado em ‘clicar’, mas no desenvolvimento de novas formas de automação que diminuem a dependência do trabalho manual. O trabalho manual torna-se necessário principalmente em relação ao atendimento ao cliente, ao marketing e, ocasionalmente, à entrada de dados quando a automação falha […] Em segundo lugar, existe uma forma rizomática no mercado, com cadeias instáveis de vendedores e produtores. As evidências sugerem que os seguidores não são produzidos em um só local. Uma vez que o seguidor se torna uma mercadoria em si, ele pode ser vendido e revendido em vários níveis de vendedores e revendedores. Como tal, o mercado de seguidores falsos é notavelmente semelhante a outras formas de mercados transnacionais, que caracterizam as cadeias de valor no capitalismo contemporâneo”. Esta matéria de janeiro de 2020 publicada no Buzzfeed também destaca o papel das agências de publicidade e relações públicas na produção e circulação da desinformação. O papel das empresas de relações públicas também é o tema do artigo Organised lying and professional legitimacy: Public relations’ accountability in the disinformation debate, de Lee Edwards, publicado no European Journal of Communication . O autor argumenta, a partir do cenário britânico, que a desinformação é uma “ferramenta” bem estabelecida na área e considerada como uma oportunidade comercial e uma plataforma para demonstrar legitimidade profissional. Para ele, as narrativas da área normalizam “mentiras organizadas” e os debates sobre desinformação precisam considerar o impacto das relações públicas. Crystal Abidin destaca as fábricas de memes na Malásia e em Singapura e suas relações com a desinformação, seja na produção ou no combate, no contexto da pandemia. Texto publicado no Misinformation Review. Para a autora, as fábricas de memes são uma rede coordenada de criadores de conteúdo ou contas de mídias sociais que produzem e hospedam conteúdo que pode ser codificado em (sub) textos e analisados em novos contextos nas mais variadas estruturas organizacionais. Elas costumam usar cálculos estratégicos para obter viralidade e espalhar discursos decisivos, inclusive com potencial para comercializar conteúdo memético para patrocinadores. Agradecemos ao Gabriel Pereira pela lembrança do texto! Antonio Casilli, que já esteve em live e entrevista no DigiLabour, ministrou conferência em 2019 sobre o trabalho digital por trás das fake news, destacando como plataformas de “microtrabalho”, como Amazon Mechanical Turk contribuem para produzir e circular desinformação. Sarah. T. Roberts, também com presença no DigiLabour, apresenta algumas pistas sobre o lugar da moderação comercial de conteúdo em relação à desinformação em textos publicados no Consumer Reports e no Flow Journal. Seu livro Behind the Screen, sobre os moderadores, é imperdível, assim como o documentário The Cleaners, com sua participação. O Laboratório de Pesquisa DigiLabour está conduzindo pesquisa sobre o trabalho em plataformas de fazendas de clique no Brasil, com financiamento da Universidade de Cambridge no projeto Histories of Artificial Intelligence. Em breve os primeiros resultados. Alguns insights podem ser conferidos no texto Os Laboratórios do Trabalho em Plataformas, publicado pela rede LAVITS. DigiLabour Compartilhar Artigo AnteriorOs Guarda Vidas "de Aplicativo": autoritarismo como modelo de gestão da precariedade Próximo ArtigoTrabalho e reality show: indicações de referências 24 de janeiro de 2021