Início » Publicidade nativa, golpes e fraudes financeiras monetizam indústrias de desinformação no Brasil Desinformação e Eleições Publicidade nativa, golpes e fraudes financeiras monetizam indústrias de desinformação no Brasil Marcelo Alves Como as indústrias brasileiras de desinformação e suas práticas de discurso de ódio e movimentos antidemocráticos são monetizadas? Esta ampla pergunta orienta minha nova agenda de pesquisa dedicada a entender a sustentabilidade econômica de informações falsas e conteúdo problemático em plataformas digitais. Particularmente, procuro analisar como as grandes redes de tecnologia, ad tech e suas infraestruturas de publicidade programática incentivam e recompensam diretamente a produção de desinformação em geral e fornecem meios de organização de movimentos e meios de comunicação de extrema-direita que desafiam a ordem democrática. Mais dramaticamente, o colonialismo econômico e de dados das grandes tecnologias fornece diferentes desafios para a compreensão de potenciais políticas para regular o problema. História Este tema de pesquisa relativamente pouco explorado tem estado no centro das atenções desde o caso amplamente conhecido de jovens da Macedônia que utilizaram as tecnologias de AdSense do Google para lucrar com as notícias falsas sobre as eleições de 2016. No Brasil, há um exemplo ainda mais preocupante do escritório do Google na América Latina em fornecer treinamento e diretrizes técnicas a blogueiros de extrema-direita. Nas reuniões, realizadas na própria sede do Google, blogueiros antipetistas foram ensinados a “otimizar” o conteúdo político para obter lucro nas plataformas Google, em alguns casos ganhando até R$ 25.000 mil reais mensais (cerca de 5.000 USD). As falsas manchetes foram feitas sob medida para provocar raiva e a sensação de uma revelação urgente, como por exemplo: “Dilma Rousseff foi pega comandando pessoalmente esquema de propina de R$ 48 milhões”. O ano de 2016 foi um grande laboratório para táticas digitais de extrema-direita. Naquele momento, o país acompanhou com tensão a Operação Lava-Jato – um procedimento de perseguição jurídica em grande parte destinado a criminalizar a política e prender lideranças de esquerda; e o Parlamento votou para impedir a Presidente Dilma Rousseff de exercer o cargo por acusações técnicas de manipulação do orçamento federal. Pesquisas demonstraram que a criminalização da política foi crucial para a mobilização e organização de um grande ecossistema, multiplataforma e coordenado de mídia digital de extrema direita. Liderada por Jair Messias Bolsonaro, esta rede de ativistas e influentes políticos em ascensão capturaram com sucesso a atenção do público, auferindo métricas de visibilidade comparadas apenas com as maiores celebridades do entretenimento e do futebol. Contexto Desde então, o problema se tornou maior e muito mais complicado. O Índice Global de Desinformação (GDI) descobriu que 20.000 websites categorizados por agências de checagem como reincidentes na produção de desinformação lucraram aproximadamente um quarto de bilhão de dólares. No Brasil, uma investigação conduzida pela Suprema Corte revelou uma indústria de desinformação operando no Youtube que acumulou mais de 6,8 milhões de reais, entre 2018 e 2022. O maior canal da lista é a Folha Politica, uma operação de notícias falsas de extrema-direita que atingiu mais de 1 bilhão de visualizações e lucrou aproximadamente R$ 2,59 milhões de reais somente no Youtube no período. O movimento Sleeping Giants tem sido crucial em chamar a atenção do público para as marcas e anunciantes que ajudam a monetizar notícias falsas e discursos de ódio. A frente brasileira do grupo realizou 47 campanhas de desmonetização, resultando em cerca de R$ 76 milhões de reais de publicidade interrompida de 1054 empresas. Uma parte desta indústria também é financiada indiretamente pelo Estado. A Secretaria de Comunicações Social do governo federal inseriu mais de 2,65 milhões de anúncios em websites desinformativos ou problemáticos, como jogos de azar e pornografia. Entre eles, a investigação do Congresso demonstrou que Allan dos Santos, blogueiro condenado e fugitivo da Justiça por acusações de apologia a movimentos antidemocráticos, tem lucrado com os recursos federais. Embora os dados conhecidos publicamente sejam escassos e incompletos, eu argumentaria que o financiamento do governo federal e das empresas estatais é uma fonte de receitas importante, mas secundária, da indústria brasileira de desinformação. Resultados iniciais de pesquisas em andamento Existe uma enorme lacuna na literatura acadêmica nos tópicos de estudos ou plataformas de desinformação e na sociedade com relação ao papel das ad techs e da infra-estrutura digital no fornecimento de incentivos econômicos para as indústrias ou campanhas de desinformação. A maior parte dos estudos é muito recente e liderada por cientistas da computação, focada principalmente em propósitos de prestação de contas. Braun e Eklund (2019) demonstraram como a inserção programática de publicidade e a infra-estrutura de mídia digital proporcionam negócios lucrativos para as indústrias de desinformação. A pesquisa mostra como stakeholders do mercado de ad tech enfrentam o problema em grande parte de uma perspectiva tecnológica ou de marketing, ou seja, como uma “questão de segurança da marca”, desconsiderando as implicações democráticas. Minha nova pesquisa visa entender os subsídios financeiros para a indústria brasileira de desinformação de extrema-direita. Esta pesquisa ainda está em suas fases incipientes de revisão de literatura e construção de instrumentos de extração. Realizei um estudo exploratório para detectar anúncios na TerraBrasilNoticias. O site é um importante centro de desinformação de extrema direita pró-Bolsonaro, inclusive usando uma paráfrase do slogan do presidente: “Deus acima de tudo e de todos”. Seus administradores lucram mensalmente entre R$ 12 e 6 mil reais com a publicidade programática, a maior parte do conteúdo é de textos copiados, alterando as manchetes, de veículos jornalísticos. Embora o DoubleClick do Google seja o maior mercado programático de anúncios (Papadogiannakis et al., 2022) tanto em sites de jornalismo profissional (96%) quanto em sites de notícias falsas (80,8%), há uma prevalência de anúncios de má qualidade em ad techs menos conhecidas. Por exemplo, o estudo mostra que Taboola possui a maior parcela de anúncios problemáticos, uma categoria de conteúdo que abrange fraudes financeiras, jogos, malwares, fazendas de conteúdo e tônicos milagrosos não aprovados (Zeng et al., 2020). Frequentemente, as ad techs menores têm políticas de governança mais frouxas e incentivos menores para aplicação de regras moderação de conteúdo nos sites que veiculam publicidade. Eu coletei aproximadamente 27 mil anúncios fornecidos pela MGID nas páginas de conteúdo da TerraBrasilNoticias, georreferenciando o navegador no Brasil. A MGID é uma empresa de tecnologia publicitária em crescimento que recentemente abriu sua sede na América Latina. Segundo eles, o serviço é feito para inserir publicidade nativa personalizada usando inteligência artificial para se assemelhar com o conteúdo editorial. Além disso, eles têm uma aplicação ainda menos rigorosa de moderação de conteúdo do que o Google AdSense, o que impacta ambas as partes do mercado de anúncios programáticos. No lado da oferta, a MGID tem um controle de qualidade deficiente sobre os tipos de anúncios servidos por seus sistemas, permitindo vários tipos de fraude; e no lado da demanda, a empresa é negligente na filtragem de discursos de ódio ou informações falsas. Os primeiros achados demonstraram que nenhum dos anúncios coletados da MGID na TerraBrasilNoticas é de grandes empresas nacionais ou multinacionais. Na verdade, a análise de conteúdo indica que a maior porcentagem são fazendas de conteúdo, ou seja, sites falsos ou blogs que criam manchetes sensacionais ou clickbait para gerar tráfego e receita. A segunda categoria mais importante é a fraude financeira e apostas, a maioria adotando o estilo de storytelling de falsos casos individuais de pessoas que se tornaram ricas seguindo uma estratégia de investimento ou comprando criptomoedas/NFTs. Por exemplo: “Mulher ganha mais de $480.000 trabalhando em casa e mantém segredo de seu marido por dois anos”, “Blockchain Cuties – Play2Earn NFT Game!”, e “Pegue essa tática de aposta”. Minha arma secreta para as vitórias”. Os resultados mostram como os golpes de plataforma (Grohmann et al., 2022) são difundidos na economia da atenção digital. Fraudes e enganos são em grande parte manipulados algoritmicamente para apagar as fronteiras entre jornalismo e publicidade por meio de anúncios nativos que não apenas financiam conteúdo de desinformação, mas também são, por si mesmos, falsos, enganosos e abusivos. Uma porcentagem menor, mas preocupante, dos anúncios são tônicos de perda de peso não aprovados pela agência nacional de saúde. Descobrimos que estes anúncios nativos apontam para urls de hotsites que copiam o layout de veículos de jornalismo profissional, contando histórias falsas de emagrecimento milagroso. Aos Fatos relatou que alguns desses produtos eram proibidos pela agência reguladora. Alguns meses após a coleta de dados, nossas urls para esses anúncios ficaram inativas e todos os sites foram retirados. Os golpes, falsificações e fraudes são difundidos na economia digital (Poster, 2022). No Brasil, eles fazem parte de uma infra-estrutura digital da desinformação que performam três funções: a) financiam sites de desinformação; b) criam histórias falsas, críticas e testemunhos para vender pirâmides financeiras, produtos de saúde ilegais, ou c) arbitram o tráfego digital através de clickbaits e notícias falsas. São necessárias mais pesquisas para estudar as interconexões entre o poder da plataforma, o colonialismo dos dados e os estudos de desinformação no Sul Global, especialmente em face da leniência e cumplicidade das big techs que são as principais beneficiadas economicamente com estes processos. O caso brasileiro desafia o debate sobre políticas e regulamentações potenciais, uma vez que existe uma leniência de aplicação da lei e pouca compreensão da cultura política, instituições e regulamentações locais. A recente investigação ProPublica sobre o financiamento global da desinformação sobre Covid descobriu que a Europa Oriental, África e América Latina ainda recebem anúncios de grandes marcas em sites não confiáveis que violam a política do Google: “O exame do ProPublica mostrou que os anúncios do Google são mais propensos a aparecer em artigos e websites enganosos que estão em outros idiomas que não o inglês”. Apesar da pesquisa estar em fase incipiente, eu argumentaria que a infraestrutura das plataformas digitais e a monopolização da economia da atenção facilitam, financiam e fortalecem ecossistemas de mídia de extrema direita, ao mesmo tempo em que criam condições precárias de trabalho por clique, play-to-earn e esquemas de pay-per-watch. O avanço da luta contra as indústrias da desinformação no Brasil não é apenas uma questão de construir uma inteligência artificial mais precisa e adaptada à língua portuguesa e às especificidades culturais nacionais, mas, na verdade, exigiria enfrentar a própria monopolização da infraestrutura digital que fragmenta a esfera pública e monetiza um discurso cada vez mais odioso e antidemocrático. Marcelo Alves é Professor de Estudos de Mídia na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) Este texto faz parte do projeto “Global Democracy Frontliners: Transnational Research Coalition for Tech Accountability and Democratic Innovations Centering Communities in the Margins” financiado pela Luminate. DigiLabour Compartilhar Artigo AnteriorA desinformação não é uma anomalia: implicações para o contexto eleitoral Próximo ArtigoA desinformação tóxica na desordem informativa 9 de novembro de 2022