Início » Resistências algorítmicas: entrevista com Anne Kaun Interviews Resistências algorítmicas: entrevista com Anne Kaun Anne Kaun é professora de Comunicação da Södertörn University, na Suécia, e pesquisa cultura algorítmica, automação, inteligência artificial e teoria das mídias. É autora de textos sobre algoritmos de recomendação da Netflix, ativismo digital (depois do hype) e resistências algorítmicas. Ela foi uma das coordenadoras de relatório da AlgorithmWatch sobre a automatização da sociedade na Europa e seus impactos sobre justiça, igualdade, participação e bem-estar público. O documento defende o termo “tomadas de decisão automatizadas” em vez de “inteligência artificial”. A investigação considera que IA é um termo indefinido, com ideias controversas e é preciso re-centralizar o papel do ser humano na tomada de decisões. Kaun acabou de publicar na revista Media, Culture & Society sobre o trabalho de pessoas encarceradas e o papel das infraestruturas midiáticas na vigilância e no rastreamento na prisão. Em entrevista à DigiLabour, Anne Kaun fala sobre resistências algorítmicas, ativismo digital e trabalho digital: DIGILABOUR: O que significa falar em resistências algorítmicas? ANNE KAUN: Os algoritmos podem significar muitas coisas diferentes, como muitos comentaristas e pesquisadores tem apontado (por exemplo, Taina Bucher). Consequentemente, as resistências algorítmicas podem e devem significar muitas coisas diferentes. Pode ser tudo, desde empregar e seguir a lógica algorítmica das mídias sociais para obter visibilidade para causas políticas até formas de desconexão e rejeitar plataformas de mídias sociais a fim de resistir à governança algorítmica. Para uma visão geral dessas práticas de desconexão como forma de engajamento político, escrevi um texto com Emiliano Treré. As resistências algorítmicas também podem significar tentar reparar falhas, deficiências ou imperfeições da classificação algorítmica sem necessariamente alterar o algoritmo como tal. Em um artigo que escrevi com Julia Velkova, destacamos essas práticas midiáticas de reparo a partir do projeto midiático ativista World White Web, de Johana Burai, que, ao aplicar sistematicamente táticas de Search Engine Optimization (SEO), altera os resultados tendenciosos da pesquisa de imagens do Google e traz diversidade para o conteúdo. Para nós, esse exemplo destaca uma maneira específica de se relacionar com formas cada vez mais dominantes de governança algorítmica. Obviamente, é apenas uma maneira de “resistir” aos algoritmos. Deveria haver uma infinidade de práticas, incluindo um trabalho de advocacy em direção a políticas de transparência e de explicação sobre tomadas de decisão algorítmicas. DIGILABOUR: O que você quer dizer com o ativismo digital “além do hype” e do universalismo digital? KAUN: Em 2017, eu e Julie Uldam publicamos um dossiê com sobre o ativismo digital em diferentes países (incluindo China, Suécia, Rússia, Itália e Estados Unidos). Com a publicação, tínhamos dois objetivos principais. Em primeiro lugar, destacar a importância do ativismo digital além do hype inicial que surgiu em torno das possibilidades das plataformas digitais e mídias sociais em relação ao ativismo político. Nos anos anteriores à publicação, eu havia visto uma série de trabalhos que enfatizavam a centralidade das mídias sociais para o surgimento, por exemplo, da Primavera Árabe e do Occupy Wall Street. Termos como a “revolução” do Facebook e do Twitter circularam e, de muitas maneiras, enfatizaram demais o papel das tecnologias de comunicação, subestimando a importância do trabalho feito por ativistas, grupos e organizações individuais. Em segundo lugar, nosso objetivo era destacar a importância de diferentes contextos políticos para as maneiras pelas quais os ativistas se apropriam das tecnologias digitais para seu trabalho político. Em vez de seguir a ideia de que as mídias digitais são ferramentas neutras, empregadas da mesma maneira independentemente do contexto e da causa política, as contribuições do dossiê apresentaram descrições e análises de profundidade sobre casos situados de ativismo digital. DIGILABOUR: Como você tem observado as formações coletivas no contexto do trabalho digital? KAUN: Organizar coletivos no contexto do trabalho digital contemporâneo é um desafio. Se entendermos o trabalho digital principalmente como gig economy e não necessariamente formas de trabalho relacionadas às infraestruturas midiáticas, como trabalho em centro de dados, trabalho digital em prisões ou curadoria de listas de reprodução para serviços de streaming, é óbvio que o trabalho está organizado de maneira hiperindividualizada. A seleção de tarefas em plataformas como Amazon Mechanical Turk e Upwork ou similares dificulta a possibilidade de organização coletiva de um modo completo. Embora existam fóruns em que os trabalhadores de serviços troquem dicas e informações úteis entre si, a maneira como o processo de trabalho é organizado faz com que essas tentativas sejam um trabalho árduo. Portanto, diferentes estudos destacam espaços específicos – online ou offline – que permitem trocas entre trabalhadores e tornam a organização coletiva possível. DigiLabour Compartilhar Artigo AnteriorAspirações e imaginários do trabalho digital nas Filipinas: entrevista com Cheryll Soriano Próximo ArtigoTrabalho jornalístico "além do jornalismo": entrevista com Mark Deuze 21 de fevereiro de 2020