20 livros sobre trabalho e tecnologia publicados em 2020

Assim como fizemos no ano passado, uma lista com 20 livros sobre tecnologia e trabalho lançados em 2020.

Aaron Benanav – Automation and the Future of Work

Para Aaron Benanav, as relações entre automação e desemprego foram mal pontuados tanto por liberais quanto por aceleracionistas – de direita e esquerda. Neste livro, ele aprofunda o argumento utilizado de textos da New Left Review em 2019 de que o declínio da demanda por trabalho encontra causas na estagnação econômica e na desindustrialização. O autor defende lutas sociais massivas para além de rendas básicas universais e que a projeção de algoritmos e outras tecnologias a partir das pessoas comuns pode ser o início de um caminho.

Este é um dentre outros bons livros lançados pela equipe da Logic Magazine, como Blockchain Chicken Farm and other Stories of Tech in China’s CountrysideThe Making of Tech Worker Movement e What Tech Calls Thinking . A obra apresenta vozes de diferentes trabalhadores da área de tecnologia, como fundador de startup, cozinheiro, relações públicas, buscando apresentar o cotidiano da indústria de tecnologia para além da visão de CEOs. Ben Tarnoff, um dos autores, já foi entrevistado pelo DigiLabour.

Sasha Costanza-Chock – Design Justice: Community-Led Practices to Build the Worlds We Need

A partir do reconhecimento de que tecnologias apresentam desigualdades de gênero, raça, classe, sexualidade, entre outros, em suas próprias materialidades e design, Sasha Costanza-Chock nos provoca a construir tecnologias a partir dos princípios de design justice, considerando narrativas, espaços, valores, práticas e pedagogias. Isso significa repensar lógicas inclusive de hackerspaces, fablabs e hackathons a partir de outras reapropriações, como acontece com as DiscoTechs. Design Justice é também uma rede de pessoas e organizações e apresenta seus princípios em várias línguas, inclusive em português.

Silvia Lindtner – Prototype Nation: China and the Contested Promise of Innovation

A partir de mais de uma década de pesquisa em makerspaces, espaços de coworking, hubs de inovação e hackathons em países asiáticos, africanos, europeus e norte-americanos, Silvia Lindtner mostra como a ascensão do movimento maker se relaciona à marca da China como uma “nação protótipo”, como um país que pode servir como material cru para um novo modelo ou gerar um novo tipo de futuro, e como as noções de inovação tecnológica e outros dispositivos são capturados pela colonialidade.

A gentrificação e hipsterização das cidades a partir de contêiners e “cultura pop-up” como soluções para problemas urbanos inclusive para cinemas e shopping centers e celebradas como sinônimo de flexibilidade, autonomia e inovação, naturalizadando a precariedade como “novo normal”. Ella Harris apresenta esse “rebranding” como uma espécie de compensação para a crise iniciada em 2008 e agora sedimenta os imaginários de cidades do futuro.

O tema não é novo para quem acompanha newsletters como Desvelar DigiLabour. Yarden Katz mostra como a inteligência artificial serve à supremacia branca e que ela sempre foi um projeto também político, desde a Guerra Fria até os entusiastas atuais do Vale do Silício. O autor mostra como IA reforça modelos epistêmico de uma supremacia branca masculina com uma visão de mundo imperialista e que é necessário visibilizar as conexões entre IA e branquitude.

Com prefácio de Emicida, a obra apresenta textos fundamentais para compreender as relações entre raça e tecnologia. Destaques para os capítulos Retomando nosso fôlego: estudos de ciência e tecnologia, teoria racial crítica e a imaginação carcerária (Ruha Benjamin), Análise Crítica Tecnocultural do Discurso (André Brock), Estéticas em transformação: a experiência de mulheres negras na transição capilar em grupos virtuais (Larisse Louise Pontes Gomes), Blackfishing e a transformação transracial monetizada (Ronaldo Araújo e Jobson Francisco da Silva Júnior), Racismo Algorítmico em Plataformas Digitais: microagressões e discriminação em código (Tarcízio Silva), Racismo e Sexismo em Bancos de Imagens Digitais (Fernanda Carrera), Colonização Algorítmica da África (Abeba Birhane) e Mulheres e Tecnologias de Sobrevivência: Economia Étnica e Afroempreendedorismo (Taís Oliveira e Dulcilei C. Lima).

Igor Calzada – Smart City Citizenship

Igor Calzada propõe um outro olhar para as cidades inteligentes a partir da governança democrática e da cidadania. Para isso, apresenta como é possível pensar e intervir em disputas tecnopolíticas envolvendo algorítmos, dados e inteligência artificial a partir de noções como soberania digital. Entre as possibilidades, há a criação de cooperativas de dados e plataformas cooperativas a partir de lógicas de data e digital commons. A obra analisa, entre outros casos, o ecossistema de Barcelona e propõe perspectivas para políticas públicas.

Juliet Schor – After the Gig: How the Sharing Economy Got Hijacked and How to Win It Back

O livro busca responder o que deu errado na gig economy e aponta alguns fatores como exclusão de classe, discriminação racial e discriminação. Além disso, questiona quais as possibilidades democráticas que as plataformas ainda podem oferecer. A autora aponta duas alternativas: reformas na questão da regulação – o que afirma ser o tema dominante na literatura – e a construção de plataformas alternativas tendo como base o comum e o cooperativismo, tendo como base principalmente estudo de caso com a cooperativa de fotógrafos Stocksy. Segundo a obra, esses movimentos evidenciam ainda ser possível uma economia verdadeiramente justa e compartilhada. Juliet Schor já foi entrevistada por DigiLabour e estará em nosso Summer School em janeiro.

Ursula Huws é outra pesquisadora que já foi entrevistada por DigiLabour e estará no Summer School. A obra aponta que, em contexto de generalização da plataformização do trabalho – incluindo um círculo vicioso do trabalho em plataformas – é preciso agir em prol de direitos generalizados para todas as pessoas trabalhadoras. Ela defende uma renda básica universal que seja realmente redistributiva e não entendida como uma mágica solucionadora de todos os problemas. Além disso, propõe a criação de plataformas para o bem público em vários setores no sentido de desmercantilizar as plataformas a partir da construção de arranjos locais como modelos prefigurativos para todas as áreas de produção e consumo.

As tecnologias  ditas inteligentes a partir de seus mecanismos de vigilância e extração de dados são elementos do capitalismo contemporâneo. O livro indaga quem se beneficia de tais tecnologias e dos dados como forma de capital, que expande o controle sobre tudo e todos a partir de smart selves, homes e cities. Isso continuará a servir ao poder empresarial e tecnocrático se não exigirmos a propriedade e a supervisão sobre nossos próprios dados. Jathan Sadowski já esteve em live e em entrevista com a gente no DigiLabour.

Rebecca Saunders – Bodies of Work: The Labour of Sex in the Digital Age

O livro mostra como capitalismo, plataformas digitais e sexo se conectam a partir de questões como dataficação do trabalho sexual e trabalho de visibilidade. Rebbeca Saunders relaciona indústrias criativas e neoliberalismo para pensar o trabalho em plataformas de streaming e em estúdios mainstream e independentes de pornografia, revelando como o capitalismo controla o corpo sexual por meio de tecnologias digitais.

O livro organizado por Ricardo Antunes apresenta um panorama de estudos sobre trabalho e plataformas digitais. Destaques para os capítulos Um novo adeus à classe trabalhadora? (Vitor Filgueiras e Sávio Cavalcante), O Panóptico Algorítmico da Deliveroo (Jamie Woodcock), Plataformização do Trabalho: características e alternativas (Rafael Grohmann), Uberização: gerenciamento e controle do trabalhador just-in-time (Ludmila Costhek Abílio), Contribuições Críticas da Sociologia do Trabalho sobre a Automação (Ricardo Festi) e Trabalho Digital (Mark Graham e Mohammad Anwar).

O livro do aclamado Edemilson Paraná analisa o bitcoin a partir do marxismo e mostra como ele é um sonho tecnocrático e visto como apolítico, mas possui raizes no neoliberalismo. Mas ele não cumpre suas promessas e não é um candidato factível a ser equivalente geral. Como afirma o próprio autor: “a sua pequena importância relativa e alta volatidade denunciam a inviabilidade material da utopia tecnocrática de um dinheiro apolítico, controlado tecnologicamente”. Mais do que um futuro promissor ou mesmo revolucionário, a obra aponta para um algo totalmente incerto ou nada promissor para o bitcoin.

Wendy Liu também já esteve em live e entrevista no DigiLabour. O livro analisa a ideologia do Vale do Silício e como pode ser possível construir tecnologias a partir de valores diferentes e fora da lógica do capital, buscando democratizar o controles sobre as tecnologias. A autora ainda reivindica novos princípios para a indústria da tecnologia, com empreendedorismo voltado para fins não lucrativos, trabalho decente e trabalhadores com mais poder,  serviços públicos, reconhecimento de propriedade intelectual e cultura como um elemento central da tecnologia.

Frank Pasquale, após o sucesso de The Black Box Society, propõe regulação da inteligência artificial para reapropriação das tecnologias no sentido de tornar o trabalho humano mais necessário. A obra provoca profissionais do Direito a construir esses futuros a partir de uma renovada economia política da automação, com formas de democratizar as tomadas de decisão automatizadas. O autor estará no DigiLabour Summer School 2021.

Como os trabalhadores trabalhadores da Foxconn – que emprega cerca de um milhão de trabalhadores só na China – e como isso se conecta às cadeias globais de produção do iPhone? A partir da pesquisa com estagiários, trabalhadores migrantes e do campo, gerentes e outros trabalhadores trabalhadores, o livro mostra um cotidiano de violência, trabalho excessivo, trabalhadores se suicidando. O livro mostra as lutas dos trabalhadores chineses, inclusive com greves e protestos. Jenny Chan, uma das autoras do livro, estará no DigiLabour Summer School em janeiro.

Ergin Bulut, já entrevistado por DigiLabour, pesquisou por três anos um estúdio de games de tamanho médio no Centro-Oeste dos Estados Unidos com o objetivo de compreender como o “amor pelo trabalho” aparecia na indústria. O estúdio produzia jogos AAA, que são os de maiores orçamentos e espera-se de alta qualidade. Em 2013, quando Bulut concluiu a etnografia, a empresa era de capital aberto e, mais tarde, declarou falência. O livro mostra como apenas poucos trabalhadores podem aproveitar um “emprego dos sonhos”, que é, na maioria das vezes, precário na indústria de games. Para o autor, a paixão pelo trabalho dos homens brancos da indústria depende de desigualdades materiais que envolvem trabalho sacrificial de suas famílias, trabalho não reconhecido de testadores e marcadores de raça e gênero no trabalho no Sul Global.

Precarity Lab – Technoprecarious

Um coletivo de pesquisadores e ativistas como Kalindi Vora, McKenzie Wark, Lisa Nakamura e Silvia Lindtner  analisa as formas de precariedade associadas à digitalidade. Para as autoras, a precariedade está se generalizando e não deve ser encarada como algo que está se generalizando não como uma metáfora, mas como questão material que é sentida pelos corpos. Elas afirmam ser necessárias novas gramáticas e práticas para apreender a produção generalizada de precariedade no capitalismo racial contemporâneo. Nesse sentido, há a proposição de um laboratório, enquanto algo que pode organizar trabalho e pessoas, mobilizar conhecimento e desenvolver sujeitos e objetos.

O livro apresenta uma introdução dos estudos de plataforma escrito por Carlos d’Andréa, uma das maiores referências no assunto no Brasil. A obra apresenta conceitos fundamentais, como as diferenças entre plataformas e redes sociais e definições como algoritmos, datificação, além de dimensões como infraestrutura, modelos de negócio, governança, práticas e affordances. Também dialoga com métodos digitais e cartografia das controvérsias como possibilidades metodológicas para pesquisar plataformas digitais.

Bônus:

O livro Marx no Fliperama, de Jamie Woodcock, publicado em 2020 em português pela Autonomia Literária, já esteve em nossa lista de 2019.

Na próxima semana, lista com teses e dissertações sobre trabalho e tecnologia defendidas em 2020. Caso você conheça alguma, nos envie.

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